terça-feira, 18 de novembro de 2014

PIÁ: Modus Operandi ou Como Habilitar Transformers

Por Adriano Castelo Branco
  
O objetivo deste ensaio é pontuar e relacionar algumas práticas de instauração de processos criativos e como estes se caracterizam num fazer artístico-pedagógico referente aos encontros entre artistas educadores e crianças ambos participantes do Programa de Iniciação Artística da Secretaria Municipal de Cultura do Estado de São Paulo. Considerando que estes “encontros” são um acontecimento dialógico entre artistas e crianças, onde se busca uma relação criativa baseada na troca do desejo poético de cada um, e do livre exercício da imaginação, e que procura potencializar e desenvolver artisticamente os olhares e as habilidades lúdicas, imagéticas e práticas, com o intuito de estabelecer processos artísticos autônomos e originais. Tendo esta definição como princípio, faz-se necessário então uma ação ou um conjunto de ações práticas que ative este acontecimento. Exige um modo de atuação e percepção dos artistas e das crianças para que este encontro os provoquem em todos os sentidos, considerando o risco e o erro como valores constituintes para o desenvolvimento da experiência, e por conseguinte, agentes bifurcadores de descobertas múltiplas. Considerando também este encontro como um veículo onde transportamos nossa subjetividade para além das “habitudes” cotidianas e onde promovemos e criamos nossa própria energia de propulsão, proponho uma analogia entre o fazer artístico-pedagógico do PIÁ, este Modus Operandi e três Meios de Transporte: o Trem, a Jangada e a Espaçonave.

O Modo Trem
Este é um modo em que há uma rota propositadamente planejada e um caminho fixo já estabelecido, ou seja, os trilhos concretos por onde o veículo trafega. Neste sentido, a condução do encontro é pautada por uma gama de repertórios sequenciais pré-definidos, onde compreende toda uma dinâmica dos jogos, sejam eles corporais, teatrais, visuais, etc., assim como o universo das brincadeiras e dos brinquedos populares da cultura da infância. A ativação desse modo se dá pela força motriz do sujeito propositivo deste tipo de repertório, onde os passageiros são destinados a estarem ligados entre si e a participarem desta movimentação linear sobre os trilhos. A orientação traçada, a princípio, independe de mudanças climáticas e emocionais dos envolvidos. Algumas intervenções podem até ocasionar a parada do veículo, mas o trem só continua se for nos trilhos, pois o diálogo criativo permanece circunscrito a transitar entre os vagões e a olhar pelas janelinhas a paisagem enquadrada. Nesta mecânica lúdica, o veículo segue viagem através de reproduções de percursos entre chegadas e partidas, e através dos impulsos fumegantes das Marias Fumaças em suas pluralidades de ânimos.

O Modo Jangada
Neste modo, a constituição do veículo se dá pelo estado de deriva das percepções de cada tripulante e pelo estado de flutuação das ideias; e consequentemente, das ações. É usado em sua construção toda intervenção causada pelas intempéries do ambiente e pelos próprios navegantes, constituindo uma rede de relações a partir da reciprocidade dos afetos, onde relações complexas acontecem em simultâneo e resultam numa dinâmica caótica e potente. Estando o veículo em parceria destas intervenções de forças ocasionais diversas, sejam elas ambientais, humanas ou materiais, é necessário aos participantes uma disposição atenta de todos seus sentidos e de uma artesania inventiva, exigindo um estado de prontidão aguçado capaz de perceber as múltiplas sugestões de caminhos a percorrer. Sendo assim, devido a esta impermanência de direções estáveis, todos os navegantes se tornam colaboradores para a criação de novas rotas de pesquisas. Através dos fenômenos emergentes da própria situação, é que o veículo manifesta suas ilhas, habitáveis de experiências e cumplicidades, onde encontramos momentos de sábios improvisos e descobertas; e assim, a jangada aproveita a maré inspiradora para navegar nas correntes do mar da criação e embarcar sua direção para onde os bons ventos sopram.

O Modo Espaçonave
Para empreender uma viajem neste modo, toda força propulsora do veículo depende      exclusivamente de fatores determinantes, como a apropriação das pessoas envolvidas no processo de decolagem e de seus empenhos colaborativos para que o ideal em comum alce voo (a decolagem é a fase em que geralmente se utiliza a maior potência dos motores). Sendo esta fase inicial bem sucedida, o veículo pode aspirar em cumprir seus objetivos à que foi destinado: romper a camada habitual conhecida e traçar novos rumos apontados pela imaginação, expandindo nossas percepções espaciais, materiais e corporais, e assim criar um estado de relação encantada com o ambiente e seu entorno. Neste modo há uma constante transmutação da realidade, pois toda tripulação é tomada por circunstâncias poéticas que coabitam seus modos de agir e pensar. Permanecendo neste modo, é possível viajar pela infinidade de planetas habitáveis e não habitáveis, encontrar seres fantásticos, cultivar realidades paralelas, vestir-se à maneira das entidades, enfim; quando a sustentação do veículo se dá pela constante retroalimentação na dinâmica do acontecimento poético, o piloto automático ganha vida, e se despede da maneira prosaica de portar-se diante das estrelas.

O modo Transformers
A intenção deste modo é perceber e ocasionar fatores disparadores que favoreçam uma mutabilidade dos modos de se transportar acima citados: o trem, a jangada e a espaçonave. No modo transformers, estes meios de transporte são considerados estados momentâneos de definição dos processos criativos no encontro entre artistas e crianças. Por não terem um espaço-tempo definido dentro do encontro, estes meios de transportes podem manifestar-se aleatoriamente, num sentido não-sequencial; simultaneamente, num sentido de coexistência; e inter-relacionando-se, num sentido de convergências. Para que este modo aconteça, é necessário um hífen de ruptura no ato de Trans-Portar, produzindo atravessamentos que convertam a condução dos encontros em caminhos variáveis, porém concordantes; sendo momentos diferentes um do outro, mas verdadeiramente afirmáveis. A habilitação de um veículo para o modo transformers se dá primeiramente em reconhecer sua força intrínseca de desdobramento, e consequentemente, considerar possibilidades de aprimoramentos ou fissuras em sua própria estrutura composicional. Sendo assim, este modus pode ser ativado por qualquer viajante que perceba e reconheça essas possibilidades de alterações e que sejam imbuídos de aptidões investigativas. No modo trem, por exemplo, essa ativação tem como objetivo criar uma versatilidade dos jogos e brincadeiras pré-concebidas e alterá-las em sua maneira formal, enriquecendo-as com novos signos e executando-as de maneira própria e original. Ainda no modo trem, mesmo os descarrilamentos se tornam necessários para ativação dos transformers, pois é a partir desta ação que uma fissura ou um erro pode arranjar-se em outros modos. Já no modo jangada, devido ao seu estado intermediário entre o trem e a espaçonave, sua ativação pode ser escolhida de acordo com a direção do vento. Dependendo do ajuste da vela, a ativação pode acontecer por um fluxo de ventos fortes, fazendo com que a jangada decole, estabelecendo uma unidade entre os viajantes na escolha da direção, ou habitando todos uma mesma ilha; ou então pela necessidade de sobrevivência a grandes tempestades, a jangada entra no modo trem, a fim de trilhar e retomar os propósitos lúdicos do caminho. E por fim, a espaçonave entra no modo transformers quando há uma desintegração dos componentes poéticos que a constitui, seja pela falta do combustível imaginário, seja por acionar o botão de ejetar tripulantes, ou seja também pela necessidade de modificar um estado de estagnação criativa do veículo. Nesse modo é possível que o trem navegue, a jangada flutue e a espaçonave vire casa na copa de uma árvore. Transitar pelo modo transformers, é fazer com que a prática artístico-pedagógica no PIÁ seja sempre um vir a ser, nos fazendo experimentar a grandeza de poder viajar em outros tantos veículos possíveis.
   






















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