PIÁ 2014 - ENSAIO DE
PESQUISA - AÇÃO
ANTONIO FRANCISCO DA
SILVA JUNIOR
COORDENADOR DE EQUIPE
- BIBLIOTECA HANS CHRISTIAN ANEDERSEN
As imagens transbordam fugitiva
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?
Sophia de Mello Breyner Andresen
O Artista Educador - Coordenador de equipe - bifurcações, idas e vindas
O Programa de Iniciação Artística
tem sido o lugar do encontro, dos erros e acertos, e do diálogo entre adultos e
crianças mediado pela arte e pela educação estética. Os diferentes projetos e
processos artísticos que se instauraram em 2014 têm partido da relação. Relação
entre as diferentes linguagens artísticas, relação entre pessoas (entre adultos,
entre crianças, entre adultos e crianças) e relação com o lugar de atuação
(equipamento e entorno). É indispensável, portanto, olhar para as experiências
a partir da observação do "entre", e neste sentido a coordenação da
equipe, realizada por um Artista Educador - Coordenador, tem papel fundamental
na mediação e orientação dos processos.
A possibilidade de existir uma
coordenação de equipe que também atue diretamente com a criança, é uma da
primeiras características da atual organização do programa, e permite um lugar
de dupla função - bifurcado - com a mesma raiz, que é assegurar um espaço de
experiências estéticas às crianças e adolescentes.
Para colocar em prática essa
função bifurcada é necessário um entendimento inicial de quem sou e onde estou e
também com quem estou. A partir destas três perguntas que, não serão
totalmente respondidas, surgiram outras perguntas, que não precisam ser
respondidas, mas que precisam ser perguntadas para que se possa começar a
construção de projeto compartilhado, que parta de um olhar sensível, que seja
um projeto aberto, que escute e leve em consideração o outro, e neste caso o
outro é o outro adulto e outro criança.
"O planejamento para educação estética, precisa
ser um planejamento aberto e brincante". ( Marina Marcondes Machado)
Ao longo do ano surgem
vários outros projetos, propostas,
experiências, experimentos que necessariamente precisam dialogar com os desejos
das crianças, foco principal do programa, por isso é necessário que os adultos
ampliem cada vez mais seu repertório na infância e, parafraseando Marina M.
Machado, na infância de hoje.
Em 2014 alguns projetos
artísticos pedagógicos desenvolvidos na Biblioteca Hans Christian Andersen
exemplificam bem e jogam luz na função
bifurcada do AE Coordenador, tema do discurso deste ensaio. Um deles foi um
projeto desenvolvido por uma dupla de artistas educadores com a turma de 11 a 14 anos, que asseguraram
os desejos das crianças de realizar um vídeo com a temática do terror. O
principio da proposta estava dada: "Queremos fazer um filme de
terror", afirmava em uníssono a turma. Os artistas educadores permitiram a
experiência acontecer colocando uma maquina digital nas mãos das crianças que captavam
imagens, criavam situações e, com o olhar cuidado, selecionavam registros sobre
a temática exposta. Os acontecimentos dos encontros dessa dupla de AEs com essa
turma, eram relatados nas reuniões de equipe, questões eram levantadas, formas
de condutas eram discutidas e entre encontros e desencontros o projeto
continuava. Após algumas semanas de registros, foi feita edição das imagens...
E agora o que fazer com o vídeo montado?
Novamente na reunião de equipe
chegamos juntos á proposta de exibir o filme dentro de uma cabana que havia
sido montada no saguão da biblioteca, por outra turma, numa reunião regional,
com outras equipes da zona leste 1.
A dupla de AEs juntamente com o olhar "de fora", mas também de
dentro, do Coordenador AE, planejaram a forma como seria feita a exibição,
quase como uma video-performance, com interação a ativação da obra a partir da
criação de textos e inserções ao vivo no filme.
A ideia original das crianças, a
contribuição dos AEs e do Coordenador AE, fez com que fosse produzido um
material artístico com um apurado rigor estético que serviu de material de
formação para um encontro de AEs de quatro equipamentos diferentes. Eis que é
trazido às discussões de equipe a
característica auto-formativa do programa, e a importância de um olhar externo
mas não alheio ao processo artístico-pedagógico de uma determinada turma, e/ou
de um determinado projeto.
E são a descontinuidade e a imprevisibilidade algumas das
principais matérias-primas com as quais lida a arte contemporânea. Rupturas de
espaço e tempo, questionamento de verdades, desequilíbrio, o novo, o
inesperado. A arte contemporânea é feita da irrupção de acontecimentos. (Luciana
Grupelli Loponte)
As propostas com vídeos, terror e
personagens macabros continuou se desenvolvendo a medida em que mais crianças
entravam na turma (outra característica do programa, que mantém um fluxo de
idas e vindas), a medida que os AEs iam conhecendo cada participante, e as
discussões a respeito do trabalho realizado também foi se aprofundando com
referências levadas pelos adultos em diálogo com as referências das crianças e
o projeto foi ganhando mais corpo, os participantes foram ganhando mais corpo
(literalmente) através de jogos e exercícios propostos pelos adultos para
atingir os objetivos propostos pelas crianças.
Referências estéticas de cinema de
terror, desde clássicos, como Nosferatu
até Pânico,
foram levadas e discutidas entre
adultos e entre adultos e crianças. Esse é um outro aspecto que mais salta aos
olhos neste processo, a discussão, a relação dialógica do processo de ensino e
aprendizagem, por que não usar os conceitos de Paulo Freire, em que ninguém
ensina ninguém e ninguém aprende sozinho, e sim o processo de dá numa via de
mão dupla, bifurcada com possibilidades de idas e vindas. Na finalização do
projeto um dos artistas educadores da turma sugere que as crianças visitem a
exposição Made in Brasil - Feita por
brasileiros - No prédio antigo hospital
Humberto Primo, novamente o compartilhamento das ideias em reuniões
artístico-pedagógicas, gera outra abertura e outro caminho descontinuo para o
acontecimento da proposta.
Curiosamente, a raiz etimológica
de saber, sapere, significa ´´ter gosto`` (a expressão saber bem ou saber mal,
no sentido de ser gostoso ou não, aplica-se constantemente ao paladar).
Conhecer a arte é aprender a olhá-la criticamente, isto é, experimentar a
transformação do olhar pelo prazer e pela emocionalidade que a sua fruição
proporciona e pela experiência adaptativa relevante para o bem-estar
psicológico (Dutton, 2003) até porque recontar histórias, por imagens visuais,
auditivas e linguísticas conduz à imaginação e ao visionamento de acções
futuras e permite a criação e a expressão de uma sensibilização para as
múltiplas dimensões da vivência quotidiana.
(Sara Bahia)
O olhar da coordenação da equipe
mais uma vez colabora, um dos AEs e o coordenador fazem uma primeira visita a
exposição e após discutirem as possibilidades e potencialidades da mesma para
as crianças, levam-nas à visita, que faz todo o sentido no toca a espacialidade
sombria, a (re)significação de espaços, a interferência da obra artística num
espaço abandonado, as vídeo - instalações e principalmente todas as
referências que estavam contidas na
exposição.
Há na biblioteca um espaço
ocupado pelo PIÁ desde 2013, que é a antiga casa do caseiro, que estava em
desuso pela biblioteca e possui todas as características para uma ocupação
artística, com intervenções, instalações e video-instalação, esta casa já faz
parte do imaginário dos participantes do programa, adultos e crianças, e serviu
de locação para as filmagens do curta de terror produzido pelas crianças.
Após toda essa incursão por
universos sombrios, aterrorizante e até marginal, o processo da turma foi
compartilhado com as demais crianças e adultos do programa às 0h00 do dia 18 de
outubro dentro da programação do tradicional acampadentro, uma noite inteira em
que as crianças acampam dentro da biblioteca produzindo novos espaços de
interação, e (re)significando espaços
fixos e fluxos.
Luciana Gruppelli Loponte
http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-72502010000200005&lang=pt
Considerações sobre a educação para a arte e para a cultura, ou ´´como levar Clio à escola
Sara Bahia
Rev. Lusófona de Educação n.16 Lisboa 2010
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa. Investigadora da
UIDEF.sarabahias@gmail.com
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