quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Artista Educador - Coordenador de equipe - bifurcações, idas e vindas

PIÁ 2014 - ENSAIO DE PESQUISA - AÇÃO

ANTONIO FRANCISCO DA SILVA JUNIOR
COORDENADOR DE EQUIPE - BIBLIOTECA HANS CHRISTIAN ANEDERSEN

As imagens transbordam fugitiva
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?

Sophia de Mello Breyner Andresen

O Artista Educador - Coordenador de equipe - bifurcações, idas e vindas



O Programa de Iniciação Artística tem sido o lugar do encontro, dos erros e acertos, e do diálogo entre adultos e crianças mediado pela arte e pela educação estética. Os diferentes projetos e processos artísticos que se instauraram em 2014 têm partido da relação. Relação entre as diferentes linguagens artísticas, relação entre pessoas (entre adultos, entre crianças, entre adultos e crianças) e relação com o lugar de atuação (equipamento e entorno). É indispensável, portanto, olhar para as experiências a partir da observação do "entre", e neste sentido a coordenação da equipe, realizada por um Artista Educador - Coordenador, tem papel fundamental na mediação e  orientação dos processos.  
A possibilidade de existir uma coordenação de equipe que também atue diretamente com a criança, é uma da primeiras características da atual organização do programa, e permite um lugar de dupla função - bifurcado - com a mesma raiz, que é assegurar um espaço de experiências estéticas às crianças e adolescentes.
Para colocar em prática essa função bifurcada é necessário um entendimento inicial de quem sou e onde estou e também com quem estou. A partir destas três perguntas que, não serão totalmente respondidas, surgiram outras perguntas, que não precisam ser respondidas, mas que precisam ser perguntadas para que se possa começar a construção de projeto compartilhado, que parta de um olhar sensível, que seja um projeto aberto, que escute e leve em consideração o outro, e neste caso o outro é o outro adulto e outro criança.

            "O planejamento para educação estética, precisa ser um planejamento aberto e                                                              brincante". ( Marina Marcondes Machado)

Ao longo do ano surgem vários  outros projetos, propostas, experiências, experimentos que necessariamente precisam dialogar com os desejos das crianças, foco principal do programa, por isso é necessário que os adultos ampliem cada vez mais seu repertório na infância e, parafraseando Marina M. Machado, na infância de hoje.
Em 2014 alguns projetos artísticos pedagógicos desenvolvidos na Biblioteca Hans Christian Andersen exemplificam bem e  jogam luz na função bifurcada do AE Coordenador, tema do discurso deste ensaio. Um deles foi um projeto desenvolvido por uma dupla de artistas educadores com a turma de 11 a 14 anos, que asseguraram os desejos das crianças de realizar um vídeo com a temática do terror. O principio da proposta estava dada: "Queremos fazer um filme de terror", afirmava em uníssono a turma. Os artistas educadores permitiram a experiência acontecer colocando uma maquina digital nas mãos das crianças que captavam imagens, criavam situações e, com o olhar cuidado, selecionavam registros sobre a temática exposta. Os acontecimentos dos encontros dessa dupla de AEs com essa turma, eram relatados nas reuniões de equipe, questões eram levantadas, formas de condutas eram discutidas e entre encontros e desencontros o projeto continuava. Após algumas semanas de registros, foi feita edição das imagens... E agora o que fazer com o vídeo montado?
Novamente na reunião de equipe chegamos juntos á proposta de exibir o filme dentro de uma cabana que havia sido montada no saguão da biblioteca, por outra turma, numa reunião regional, com outras equipes da zona leste 1. A dupla de AEs juntamente com o olhar "de fora", mas também de dentro, do Coordenador AE, planejaram a forma como seria feita a exibição, quase como uma video-performance, com interação a ativação da obra a partir da criação de textos e inserções ao vivo no filme.
A ideia original das crianças, a contribuição dos AEs e do Coordenador AE, fez com que fosse produzido um material artístico com um apurado rigor estético que serviu de material de formação para um encontro de AEs de quatro equipamentos diferentes. Eis que é trazido às  discussões de equipe a característica auto-formativa do programa, e a importância de um olhar externo mas não alheio ao processo artístico-pedagógico de uma determinada turma, e/ou de um determinado projeto.

            E são a descontinuidade e a imprevisibilidade algumas das principais matérias-primas com as quais lida a arte contemporânea. Rupturas de espaço e tempo, questionamento de verdades, desequilíbrio, o novo, o inesperado. A arte contemporânea é feita da irrupção de acontecimentos. (Luciana Grupelli Loponte)

As propostas com vídeos, terror e personagens macabros continuou se desenvolvendo a medida em que mais crianças entravam na turma (outra característica do programa, que mantém um fluxo de idas e vindas), a medida que os AEs iam conhecendo cada participante, e as discussões a respeito do trabalho realizado também foi se aprofundando com referências levadas pelos adultos em diálogo com as referências das crianças e o projeto foi ganhando mais corpo, os participantes foram ganhando mais corpo (literalmente) através de jogos e exercícios propostos pelos adultos para atingir os objetivos propostos pelas crianças.
Referências estéticas de cinema de terror, desde clássicos, como Nosferatu até  Pânico, foram levadas e discutidas entre adultos e entre adultos e crianças. Esse é um outro aspecto que mais salta aos olhos neste processo, a discussão, a relação dialógica do processo de ensino e aprendizagem, por que não usar os conceitos de Paulo Freire, em que ninguém ensina ninguém e ninguém aprende sozinho, e sim o processo de dá numa via de mão dupla, bifurcada com possibilidades de idas e vindas. Na finalização do projeto um dos artistas educadores da turma sugere que as crianças visitem a exposição Made in Brasil - Feita por brasileiros - No prédio  antigo hospital Humberto Primo, novamente o compartilhamento das ideias em reuniões artístico-pedagógicas, gera outra abertura e outro caminho descontinuo para o acontecimento da proposta.

                Curiosamente, a raiz etimológica de saber, sapere, significa ´´ter gosto`` (a expressão saber bem ou saber mal, no sentido de ser gostoso ou não, aplica-se constantemente ao paladar). Conhecer a arte é aprender a olhá-la criticamente, isto é, experimentar a transformação do olhar pelo prazer e pela emocionalidade que a sua fruição proporciona e pela experiência adaptativa relevante para o bem-estar psicológico (Dutton, 2003) até porque recontar histórias, por imagens visuais, auditivas e linguísticas conduz à imaginação e ao visionamento de acções futuras e permite a criação e a expressão de uma sensibilização para as múltiplas dimensões da vivência quotidiana.
                                                                                                                                                              (Sara Bahia)

O olhar da coordenação da equipe mais uma vez colabora, um dos AEs e o coordenador fazem uma primeira visita a exposição e após discutirem as possibilidades e potencialidades da mesma para as crianças, levam-nas à visita, que faz todo o sentido no toca a espacialidade sombria, a (re)significação de espaços, a interferência da obra artística num espaço abandonado, as vídeo - instalações e principalmente todas as referências  que estavam contidas na exposição.
Há na biblioteca um espaço ocupado pelo PIÁ desde 2013, que é a antiga casa do caseiro, que estava em desuso pela biblioteca e possui todas as características para uma ocupação artística, com intervenções, instalações e video-instalação, esta casa já faz parte do imaginário dos participantes do programa, adultos e crianças, e serviu de locação para as filmagens do curta de terror produzido pelas crianças.
Após toda essa incursão por universos sombrios, aterrorizante e até marginal, o processo da turma foi compartilhado com as demais crianças e adultos do programa às 0h00 do dia 18 de outubro dentro da programação do tradicional acampadentro, uma noite inteira em que as crianças acampam dentro da biblioteca produzindo novos espaços de interação,  e (re)significando espaços fixos e fluxos.





 ARTIGOS DE REFERÊNCIAS

Arte e metáforas contemporâneas para pensar infância e educação


Luciana Gruppelli Loponte

http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-72502010000200005&lang=pt


Considerações sobre a educação para a arte e para a cultura, ou ´´como levar Clio à escola

Sara Bahia

Rev. Lusófona de Educação  n.16 Lisboa  2010
Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa. Investigadora da UIDEF.sarabahias@gmail.com



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