sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A Adolescência no PIÁ – Uma reflexão sobre os processos no CEU Cantos do Amanhecer

Artista-Educadora - Ana Cristina Simão Nonato da Silva Anjos
Linguagem: Música



Começo meu ensaio refletindo sobre o PIÁ e a adolescência. Até que ponto as práticas artísticas do PIÁ podem tocar estes seres que estão numa fase de extrema transformação? E como promover experiências que dialoguem com a realidade destes adolescentes?

Estes questionamentos surgiram a partir da minha experiência com duas turmas de 11 a 14 anos no equipamento CEU Cantos do Amanhecer localizado na zonal sul de São Paulo.

Este é meu segundo ano no programa e a primeira vez que entro em contato com esta faixa etária. No ano passado na Biblioteca Marcos Rey, por coincidência, nos deparamos com a dificuldade dos adolescentes em lidar com o próprio corpo-espaço e este foi o tema que nos moveu a escrever o artigo “Pensamentos sobre o corpo e suas possibilidades expressivas” publicado na Revista Piapuru 2013. Este ano além da consciência corpo-espaço, encontrei uma dificuldade em atingir sensivelmente alguns dos adolescentes.

As crianças que frequentam o PIÁ há alguns anos, normalmente se mostram sensíveis às práticas artísticas. Quando vemos adolescentes que nunca tiveram contato com o programa ou não conhecem suas práticas criativas, poéticas, e talvez, completamente diferentes do dia-a-dia escolar, temos uma complexidade de diálogos. Este adolescente, que vive no século XXI e traz consigo marcas de uma sociedade altamente consumista e disseminadora do “fazer por fazer”, está desmotivado e encontra no PIÁ muitas vezes uma fenda para o descaso ou para o descompromisso total. Como dialogar com este pensamento? Como lidar com adolescentes que preferem o descaso a viver uma experiência sensível?  Para falar sobre experiência, cito BONDÍA, que nos fala “A experiência é que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que passa, não o que acontece, ou o que toca” BONDÍA (2002). 

       Uma referência importante que traz questionamentos sobre, “O artista professor”, é MACHADO (2012) no seu texto “Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte” nos diz:
Percebo, cotidianamente, jovens educadores que ensinam Arte perguntando a si mesmos: “como conseguir trabalhar educação e arte sentindo-se pleno de significatividade?” E são desdobramentos do enigma: como ser artista e criador também em uma prática educacional ordinária, cotidiana, de convivência por vezes dura e árdua com crianças e jovens? Como transformar a convivência dura e árdua em outra, maleável e brincante? Seria isso possível? (Ibid, 2012, p. 8)
      Apesar da realidade do PIÁ não ser cotidiana, já que os encontros são apenas uma vez por semana, percebe-se que estes jovens trazem a convivência cotidiana e ordinária da escola em todas as ações, querendo transformar o PIÁ em apenas mais uma extensão da escola, ou um momento de recreação durante a semana.
         Com isso posso dizer que a cada encontro tivemos que “redescobrir um modo de ser e estar”.[1] E, entre este redescobrir, os processos foram tomando formas e aos poucos “tocando” cada adolescente na sua especificidade e no seu modo de ser e estar no programa.
            Segue um pouco do que vivemos em todo o ano:

Sentindo a Natureza
    Iniciamos o ano trazendo materiais da natureza  e com os olhos vendados os PIÁ’s iam descobrindo através do cheiro, do tocar e do som. Uma proposta para aguçar os sentidos!        














O Contorno
A Arte é a forma pela qual restabeleço minhas ligações com o universo. Ana Mendieta [2] 

            Depois do contato com a natureza buscamos uma referência e encontramos a artista cubano-americana Ana Mendieta e sua Série “Silhuetas” que inspirou os processos com o Contorno do corpo e o toque.

        Performance Anjo Caído de Nataniele Barbosa - Turma de 11 a 14 anos, inspirada nas performances de Ana Mendieta.   Vídeo disponível no link:



            No vídeo não aparece o final da performance em que alguns adolescentes do bairro estão passando e se deparam com a experiência, automaticamente eles zombam daquela cena, que para eles deve parecer "louca" e até "esquisita".   

Palavras

As palavras surgiram de um passeio ao Museu da Língua Portuguesa que gerou a ideia do processo e que depois veio de encontro com a poesia dadaísta.

Receita para fazer um poema dadaísta, adaptada para o PIÁ:
-Pegue uma história.
-Pegue uma tesoura.
-Recorte as palavras da história e meta-as num saco.
-Agite suavemente.
-Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
-Cole na parede ou na superfície que desejar, imediatamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
-O poema se parecerá com você.
-E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.[3]



Máscaras
            Este ano tivemos a troca de uma das educadoras nas turmas de 11 a 14 anos. E esta troca se transformou numa ruptura muito grande para alguns que resolveram sair do programa. E por esta razão a mudança foi inevitável.
A nova artista educadora, Laura Salvatore, em seu primeiro encontro com os adolescentes, trouxe uma novidade: se apresentou usando uma máscara neutra e este objeto chamou a atenção dos PIÁ’s. Imediatamente eles  pediram para fabricar sua própria máscara neutra.
            Diante deste pedido, nos dedicamos a pesquisar e em como fazer este processo tão sensível com os adolescentes. Começamos por algumas sensibilizações com os olhos fechados. Fizemos um passeio do ginásio de esportes até a grama na parte externa e contamos uma história, enquanto todos ouviam com os olhos fechados.




Depois de conversar com todos e ouvir suas experiências com a sensibilização, iniciamos o processo de confecção de máscaras com bexigas, tinta e papel machê.

 











                                                        


                    E depois a confecção de máscaras neutras com atadura gessada:







             Durante este processo o corpo cênico também esteve presente, onde eles criaram cenas a partir de suas próprias histórias ou reproduziram de histórias contadas por nós.

Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. (BONDÍA, 2002, p. 21)
         Depois de todos estes processos, assim como BONDÍA, eu também creio no poder das palavras. Pedimos aos alunos da quarta feira de manhã que fizessem um relato de experiência do momento que ficaram imóveis com as ataduras gessadas no rosto. Estes relatos me tocaram profundamente, e me lembraram das palavras de BONDÍA:
Quando fazemos coisas com as palavras, que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos. (...) E, por isso, as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das palavras, pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras, algo mais que somente palavras. (Ibid)

        Estes relatos me fizeram perceber que existe mais do que simplesmente palavras para estes adolescentes, algo que com certeza tocou a cada um de forma diferente. Algo que os possibilitou se entregar ao procedimento de fechar os olhos e “ficar nas nuvens”.[4]
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção (...) parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação (...) falar sobre o que nos acontece (...) ter paciência  e dar-se tempo e espaço. (Ibid, p.24)           

           Com tudo isso pude perceber que, apesar de todo o desafio, os processos se deram da forma como deveriam acontecer. Para alguns foi mais intenso e para outros foi "chato" ou até uma quebra de barreiras. Não existe uma fórmula perfeita para lidar com adolescentes e nunca vai existir, o ponto é como dialogar com as transformações que estão passando? Como compreendê-los em suas singularidades? Acredito que as singularidades é o ponto em questão, pois quando cada um é ouvido sem nenhum tipo de julgamento, cria-se um vínculo de confiança. Muitos falam que os pais não entendem seus pensamentos, anseios e dificuldades. No PIÁ tentamos abrir espaço, em meio aos processos, para ouvi-los e assim compreender melhor as questões individuais de cada um e só então estabelecer um diálogo artístico.  


Relato de experiência do PIÁ Higor Freire 


   



[1] Revista PIAPURU 2013, p.16
[2]  Retirado do texto Ana Mendieta e seu corpo, disponível em: http://escrevendocomdesenho.blogspot.com.br/2011/12/ana-mendieta-ensaio-critico.html
[3] Dadaísmo. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo>  . Acessado em: 09 set 2014
[4] Trecho do relato do PIÁ Higor Freire - Turma de 11 a 14 anos quarta-feira

Referências Bibliográficas

ANDRÉ, A; et al. Pensamentos sobre o corpo e suas possibilidades expressivas. Revista Piapuru - Revista do Programa de Iniciação Artística. São Paulo, 2013.

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação. n. 19. São Paulo, p. 20 – 28, jan/fev/mar/abr, 2002.Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>.

MACHADO, Marina Marcondes. Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte. Revista e-curriculum. V.8, n.1. São Paulo: Pontíficia Universidade Católica, 2012.




Nenhum comentário:

Postar um comentário