Artista-Educadora - Ana Cristina Simão Nonato da Silva Anjos
Linguagem: Música
Começo meu ensaio refletindo sobre o
PIÁ e a adolescência. Até que ponto as práticas artísticas do PIÁ podem tocar
estes seres que estão numa fase de extrema transformação? E como promover
experiências que dialoguem com a realidade destes adolescentes?
Estes questionamentos surgiram a
partir da minha experiência com duas turmas de 11 a 14 anos no equipamento CEU
Cantos do Amanhecer localizado na zonal sul de São Paulo.
Este é meu segundo ano no programa e
a primeira vez que entro em contato com esta faixa etária. No ano passado na Biblioteca Marcos Rey, por
coincidência, nos deparamos com a dificuldade dos adolescentes em lidar com o
próprio corpo-espaço e este foi o tema que nos moveu a escrever o artigo
“Pensamentos sobre o corpo e suas possibilidades expressivas” publicado na
Revista Piapuru 2013. Este ano além da consciência corpo-espaço, encontrei uma
dificuldade em atingir sensivelmente alguns dos adolescentes.
As crianças que frequentam o PIÁ há
alguns anos, normalmente se mostram sensíveis às práticas artísticas. Quando
vemos adolescentes que nunca tiveram contato com o programa ou não conhecem
suas práticas criativas, poéticas, e talvez, completamente diferentes do
dia-a-dia escolar, temos uma complexidade de diálogos. Este adolescente, que
vive no século XXI e traz consigo marcas de uma sociedade altamente consumista
e disseminadora do “fazer por fazer”, está desmotivado e encontra no PIÁ muitas
vezes uma fenda para o descaso ou para o descompromisso total. Como dialogar
com este pensamento? Como lidar com adolescentes que preferem o descaso a viver
uma experiência sensível? Para falar
sobre experiência, cito BONDÍA, que nos fala “A experiência é que nos passa, o
que nos acontece, o que nos toca. Não o que passa, não o que acontece, ou o que
toca” BONDÍA (2002).
Uma referência importante que traz questionamentos sobre, “O artista professor”, é MACHADO (2012) no seu texto “Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte” nos diz:
Uma referência importante que traz questionamentos sobre, “O artista professor”, é MACHADO (2012) no seu texto “Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte” nos diz:
Percebo, cotidianamente, jovens educadores que ensinam Arte perguntando a si mesmos: “como conseguir trabalhar educação e arte sentindo-se pleno de significatividade?” E são desdobramentos do enigma: como ser artista e criador também em uma prática educacional ordinária, cotidiana, de convivência por vezes dura e árdua com crianças e jovens? Como transformar a convivência dura e árdua em outra, maleável e brincante? Seria isso possível? (Ibid, 2012, p. 8)
Apesar da realidade do PIÁ não ser cotidiana, já que os
encontros são apenas uma vez por semana, percebe-se que estes jovens trazem a
convivência cotidiana e ordinária da escola em todas as ações, querendo
transformar o PIÁ em apenas mais uma extensão da escola, ou um momento de
recreação durante a semana.
Com isso
posso dizer que a cada encontro tivemos que “redescobrir um modo de ser e
estar”.[1]
E, entre este redescobrir, os processos foram tomando formas e aos poucos
“tocando” cada adolescente na sua especificidade e no seu modo de ser e estar
no programa.
Segue um
pouco do que vivemos em todo o ano:
Sentindo a Natureza
Iniciamos o
ano trazendo materiais da natureza e com
os olhos vendados os PIÁ’s iam descobrindo através do cheiro, do tocar e do som.
Uma proposta para aguçar os sentidos!
O Contorno
A Arte é a forma pela qual restabeleço minhas ligações com o universo. Ana Mendieta [2]
Depois do contato com a natureza
buscamos uma referência e encontramos a artista cubano-americana Ana Mendieta e
sua Série “Silhuetas” que inspirou os processos com o Contorno do corpo e o
toque.
Performance Anjo Caído de Nataniele Barbosa - Turma de 11 a 14 anos, inspirada nas performances de Ana Mendieta. Vídeo disponível no link:
No vídeo não aparece o final da performance em que alguns adolescentes do bairro estão passando e se deparam com a experiência, automaticamente eles zombam daquela cena, que para eles deve parecer "louca" e até "esquisita".
Palavras
As palavras surgiram de um passeio ao Museu da Língua Portuguesa
que gerou a ideia do processo e que depois veio de encontro com a poesia
dadaísta.
Receita para
fazer um poema dadaísta, adaptada para o PIÁ:
-Pegue uma
história.
-Recorte as
palavras da história e meta-as num saco.
-Agite
suavemente.
-Tire em
seguida cada pedaço um após o outro.
-Cole na
parede ou na superfície que desejar, imediatamente na ordem em que elas são tiradas
do saco.
-O poema se
parecerá com você.
-E ei-lo um
escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que
incompreendido do público.[3]
Máscaras
Este ano tivemos a troca de uma das educadoras nas turmas de 11 a 14
anos. E esta troca se transformou numa ruptura muito grande para alguns que
resolveram sair do programa. E por esta razão a mudança foi inevitável.
A nova artista educadora, Laura
Salvatore, em seu primeiro encontro com os adolescentes, trouxe uma novidade: se
apresentou usando uma máscara neutra e este objeto chamou a atenção dos PIÁ’s.
Imediatamente eles pediram para fabricar
sua própria máscara neutra.
Diante deste
pedido, nos dedicamos a pesquisar e em como fazer este processo tão sensível
com os adolescentes. Começamos por algumas sensibilizações com os olhos fechados. Fizemos um passeio
do ginásio de esportes até a grama na parte externa e contamos uma história,
enquanto todos ouviam com os olhos fechados.
Depois de conversar com todos e ouvir suas experiências com a
sensibilização, iniciamos o processo de confecção de máscaras com bexigas,
tinta e papel machê.
E
depois a confecção de máscaras neutras com atadura gessada:
Durante este processo o corpo cênico também esteve presente, onde eles criaram cenas a partir de suas próprias histórias ou reproduziram de histórias contadas por nós.
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. (BONDÍA, 2002, p. 21)
Depois de todos estes processos, assim como BONDÍA, eu também
creio no poder das palavras. Pedimos aos alunos da quarta feira de manhã que
fizessem um relato de experiência do momento que ficaram imóveis com as
ataduras gessadas no rosto. Estes relatos me tocaram profundamente, e me lembraram
das palavras de BONDÍA:
Quando fazemos coisas com as palavras, que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos. (...) E, por isso, as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das palavras, pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras, algo mais que somente palavras. (Ibid)
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção (...) parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação (...) falar sobre o que nos acontece (...) ter paciência e dar-se tempo e espaço. (Ibid, p.24)
Relato de experiência do PIÁ Higor Freire
[1]
Revista PIAPURU 2013, p.16
[2] Retirado do texto Ana Mendieta e seu corpo, disponível em: http://escrevendocomdesenho.blogspot.com.br/2011/12/ana-mendieta-ensaio-critico.html
[3] Dadaísmo. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo> . Acessado em: 09 set 2014
[4] Trecho do relato do PIÁ Higor Freire - Turma de 11 a 14 anos quarta-feira
Referências Bibliográficas
[3] Dadaísmo. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo> . Acessado em: 09 set 2014
[4] Trecho do relato do PIÁ Higor Freire - Turma de 11 a 14 anos quarta-feira
Referências Bibliográficas
ANDRÉ, A; et al. Pensamentos sobre o corpo e suas possibilidades expressivas. Revista Piapuru - Revista do Programa de Iniciação Artística. São Paulo, 2013.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação. n. 19. São Paulo, p. 20 – 28, jan/fev/mar/abr, 2002.Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>.
MACHADO, Marina Marcondes. Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte. Revista e-curriculum. V.8, n.1. São Paulo: Pontíficia Universidade Católica, 2012.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação. n. 19. São Paulo, p. 20 – 28, jan/fev/mar/abr, 2002.Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>.
MACHADO, Marina Marcondes. Fazer surgir antiestruturas: abordagem em espiral para pensar um currículo em arte. Revista e-curriculum. V.8, n.1. São Paulo: Pontíficia Universidade Católica, 2012.
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