Ensaio de Pesquisa-Ação

  

   

A experiência de Summerhill e a filosofia do Piá

Italo Alenquer de Oliveira

"Criadores aprendem o que desejam aprender. Não sabemos quanta liberdade de criação é morta nas salas de aula"  Alexander S. Neill:

            Summerhill é reconhecida como uma das primeiras escolas democráticas . Referência de pedagogias alternativas , respeita acima de tudo a liberdade de escolha e o ritmo do encontro das crianças com os educadores.

            Fundada em 1921 por  Alexander Suthernland Neil , Summerhill se encontra em Leiston - Inglaterra , contando com mais de duzentas escolas difundindo seus princípios (cinquenta delas apenas nos Estados Unidos).                      Atualmente a escola recebe crianças do ensino fundamental e médio ( entre 5 e 16 anos) e é dirigida pela filha do fundador Zoe Neil Headhead.

            Segundo o fundador : “a educação deveria trabalhar basicamente com a dimensão emocional do aluno, para que a sensibilidade ultrapassasse sempre a racionalidade”. As faixas etárias atendidas pela escola são equivalentes as do PiÁ de 05 a 07 anos , 08 a 10 anos e 11 a 15 anos. Contudo, a semelhança mais perceptível entre Summerhill e o PiÁ sem dúvida é encontrada na citação do autor acima.

            Outro paralelo importante a se destacar é o desenvolvimento do altruísmo entre os jovens. A pedagogia tradicional enxerga o individuo em formação como um ser naturalmente egoísta. Se aplica através do medo e da interferência do pais por meio da autoridade , acreditando que dessa maneira o altruísmo possa ser construído. Realmente as crianças podem ser egoístas , mas tanto no PiÁ como em Summerhill acredita-se que a criança crescendo sem medo pode desenvolver naturalmente este altruísmo.

            No programa de iniciação artística fala-se muito em “desconstrução” . O fato dos encontros acontecerem entre as crianças e dois arte-educadores, certamente contribui para a desconfiguração da autoridade imposta por um único ícone detentor de poder em sala de aula.

            Em Summerhill esta detenção de poder também é descontruída , pois semanalmente ocorrem assembleias onde as soluções de problemas surgem através de votação. Cada pessoa , funcionário ,  criança ou professor tem o mesmo direito de falar e votar, assim todos sentem-se parte do coletivo promovendo uma democratização flexível e circular .

            É interessante ressaltar que o voto do diretor tem o mesmo peso que o voto de uma criança de cinco anos, e por vezes os adultos são “voto vencido” , mesmo sabendo que a maioria optou por algo fora dos padrões escolares , acredita-se que é importante permitir que as crianças reconheçam futuramente que tal votação fora equivocada.

            Esta outra semelhança  entre as filosofias fora naturalmente absorvida por mim nestes dois anos como artista educador do PiÁ, descontruindo o padrão que havia adquirido atuando como professor de música na rede municipal de Mogi das Cruzes.

            Certamente que o fato das crianças morarem na própria escola de Smummerhill colabora para que a filosofia da escola seja naturalmente construída , porém mesmo com a frequência de um encontro semanal como ocorre no PiÁ , é possível perceber o nascimento de uma gradual confiança por parte das crianças.

            O medo é descontruído a partir do afeto , da experimentação e da criatividade , se sentindo realmente pertencente . Ressalto neste ensaio a marcante experiência que fora nosso contato com um grupo específico de crianças. Estas crianças encontram-se em alto grau de vulnerabilidade social , e pelo fato delas “surgirem” nos encontros , muitas vezes alterando toda a dinâmica já existente , as chamamos de “meninas nômades” .

            Esse grupo, em geral de 6 meninas fez com que toda equipe refletisse sobre o conceito de liberdade, afinal as mesmas apareciam nos encontros , e ficavam o tempo que lhes era conveniente , ou o tempo que lhes era interessante. Em Summerhill a criança participa das aulas se a mesma têm real interesse em participar , do contrário a mesma pode passar dois , três , ou até mesmo o curso inteiro sem nunca ter entrado numa sala de aula. Cabe a elas esta escolha.

            Com as “meninas nômades” pude refletir sobre o lugar dessa escolha. Elas não escolheram viver nesta condição social desfavorável , e provavelmente elas não têm a escolha de dizer não quando são obrigadas pelos pais a pedir dinheiro nos faróis. Mas quando elas entram no Centro Cultural da Juventude ( CCJ ) , por mais que elas sejam hostilizadas e incompreendidas , aquele é um lugar de transgressão , um lugar onde elas podem escolher participar de um encontro do Piá , ou simplesmente vagar pelo espaço , pois elas nesse sentido são livres. Por que então forçar que as mesmas participem dos encontros da mesma maneira que os outros PiÁs? Para nos assemelharmos as escolas?

            Uma solução interessante encontrada pela equipe , foi oferecer as meninas um horário exclusivo , pois as mesmas queriam um PiÁ somente para elas. Desse modo e equipe se articulou em ações culturais fora do horário do piÁ , e surpreendentemente conseguimos marcar esse encontros com as “meninas nômades” . Partindo desse convite, as crianças permaneciam todo o tempo do encontro conosco pois elas tinham real interesse e não foram forçadas a participar .

            Concluindo, vejo a filosofia de Summerhill muito próxima aos princípios do Programa de iniciação Artistica , pois também tratamos as crianças em pé de igualdade, respeitando sua plenitude , personalidade, individualidade e principalmente  não insultamos sua dignidade natural.

Teus filhos não são teus filhos

São filhos e filhas da vida, anelando por si própria

Vem através de ti, mas não de ti

E embora estejam contigo, a ti não pertencem.

Podes dar-lhes amor mas não teus pensamentos,

Pois que eles tem seus pensamentos próprios.

Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas.

Pois que suas almas residem na casa do amanhã,

Que não podes visitar se quer em sonhos.

Podes esforçar-te por te parecer com eles, mas não procures

fazei-los semelhante a ti,

Pois a vida não recua, não se retarda no ontem.

Tu és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas,

São disparados...

Que a tua inclinação na mão do Arqueiro seja para alegria.

Kahlil Gibran

Bibliografia :

·      NEILL, A. S. (1945) Liberdade, Escola, Amor e Juventude. (Hearts Not Heads in the School). 1ª edição (1967) São Paulo: IBRASA).

·      NEILL, A. S. (1960) Liberdade sem medo. 1ª edição (1963) São Paulo: IBRASA,

·      NEILL, A. S. (1966) Liberdade sem Excesso. (Freedom - Not License!). 1ª edição (1966) São Paulo: IBRASA.