Era hora do
almoço e o calçadão do Pátio do Colégio estava lotado. Nós alí, crianças e
artistas educadoras, esperando o ônibus para voltar pra periferia do nosso
passeio de final de ano. A segunda-feira estava deitada naquele chão de pedras molhadas.
Lá estava
Derick e sua pura vontade de escalada. A estátua era de pedra vermelha, mesma
cor da sua camiseta. Seu rosto era de frustração vendo as 4 crianças mais altas
sentadas no topo. Ele queria era subir, passar do topo. Tentou com joelhos, braços
e saltos. Finalmente conseguiu e eu lá, observando um desejo virando matéria.O
topo do topo, vem cá passarinho!
Nossos olhos
se encontraram. Desce daí, pequeno curiá.
Derick
criança mora na periferia de São Paulo, numa favela chamada Jardim Nardini. O
nome da sua é mãe Patrícia mas no registro consta Alessandra. A comunidade
mudou seu nome porque no beco onde vivem tem mais 5 Alessandras.
Essa é mais
uma história dita por crianças, mães de nomes iguais e funcionários do
equipamento público onde trabalhei no ano de 2015, CEU Vila Atlântica. A base
desses encontros foi o Programa de Infância e Arte da Secretaria de Cultura da
Cidade de São Paulo. Fui apreendendo
este programa ao longo do ano já que era minha primeira vez. Assim como minha
dupla de trabalho e coordenadora. Isso fez com que minha escuta ficasse em meus
poros e a cada encontro um exercício mais intenso. Depois, a volta cansada pra
casa à bordo do ônibus 8677-10 Jardim Líbano – Praça da República. Alí, com
minha dupla, se restabelecia o não dito.
A cada semana, mais não dito. Isso foi me cativando, talvez
por querer economizar energia ou mesmo para perceber a sutileza desses
encontros. Mesmo que durante meses a insistênciadas crianças na mesma
atividade: criar grandes cabanas com colchonetes, mesas e cadeiras de plástico.
Tentávamos orientar essas montagens mas, ainda assim, havia muita discussão. Os
desejos em conflito. O colchonete fica aqui, não, a porta é aqui, vamos fazer
um barco?, não, é um condomínio, você derrubou uma parede, assim machuca
Caíque, devagar. E com a cabana pronta, vinha o pedido para apagar a luz.
Silêncio. Tia, deita aqui com a gente?
Experimentamos muitas possibilidades com o material
disponível. Foi uma miscelânia, uma salada típica de final de viagem: você
mistura tudo o que sobrouda geladeira e tenta criar algo que não pareça uma
miscelânia. Talvez não precisasse de tantos ingredientes ou mesmo fosse
necessário descontruir alguns deles. Apesar de não conseguir me lembrar das
minhas escolhas naqueles momentos, me recordo bem que lá habitava o não dito.
Esse tal do não dito com vontade de escalada dos pequenos curiás.
E curiá não é curioso, é uma pré curiosidade. É um deixa eu
escalar mais alto que as meninas, um deitar com cuidado para não destruir o que
se acabou de construir ou um passarinho que não sei se vai voltar pra perto de
mim.
Isso foi o que não me disseram aquelas crianças.
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