Carmem Lazari - Coordenadora de Pesquisa/Ação
Região Noroeste
A idéia inicial
deste ensaio veio após escutar o meu filho caçula que começou a freqüentar o
PIÁ no CEU Butantã deste ano, ele me disse:
- Até que enfim
achei um lugar num mundo pra mim !
Francisco tem 11
anos e é disléxico (transtorno de leitura e escrita) na escola ele é muito incompreendido e por muitas vezes
tem sua auto estima abalada pelas cobranças do ensino formal, suas habilidades
são artísticas, o Chico desenha muito bem, canta, dança e fala com muita
desenvoltura, mas a escola formal não quer saber disso, pra ela o que vale são
apenas as inteligências lingüísticas e lógico matemática.
Segundo a teoria de Howard Gardner que considera a
inteligência como possuindo várias facetas, tais facetas, que na verdade são
talentos, capacidades e habilidades mentais e que são chamadas de inteligências
na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome explicita. A teoria
das inteligências múltiplas foi estudada pelo psicólogo Howard Gardner como um
contrapeso para o paradigma da inteligência única. Ele propôs que a vida humana
requer o desenvolvimento de vários tipos de inteligências. Portanto, Gardner
não entra em conflito com a definição científica de inteligência como sendo “a
capacidade de resolver problemas ou fazer coisas importantes”.
Quando o Chico diz que
há um lugar num mundo para ele, ele quer dizer que existe um espaço onde as
habilidades dele são respeitadas e levadas em consideração e essa consideração
para ele é importante.
Sendo este o meu
primeiro ano no PIÁ na função de coordenadora de pesquisa/ação observei muitos
Chicos nesse caminho, assim como encontrei um programa que além de atender
essas crianças sem distinção também acolhe no seu corpo de artistas educadores
e coordenadores pessoas com muitas potências e especialmente provocativas.
Percebi no piá um mundo
próprio, e vou me utilizar da leitura do livro da Anne Cauquelin chamado “No
ângulo dos mundos possíveis” pra me ajudar a refletir sobre esse tema de
possibilidades de outros mundos.
Sendo a arte um
universo de representação da realidade que podemos criar Anne Cauquelin faz um
questionamento sobre o mundo ‘aberto’ pela arte, é lícito perguntar: que mundo,
ou que mundos ? Um ou vários ? Será possível qualificá-lo? Uma vez que se leve
a sério a definição de arte enquanto abertura do(s) mundo(s) teremos de ser
capazes de descrever esses mundos identificar seus elementos , esboçar as leis
de sua composição, etc
No PIÁ tive contato
com palavras ou frases fora do comum, algumas se repetem, são elas:
-Porosidade
-Dilatamento do
tempo
-Ordem do afeto
-O corpo performer
-Antiestrutura
-Pedagogia da
Precariedade
-Pertencimento
-Ressignificação
- Atividade que não
anula o corpo e por aí vai.
As
palavras acima são palavras/frases muito utilizadas nos encontros de discussões
sobre o fazer artístico pedagógico do PIÁ, palavras essas que causam um grande
estranhamento no primeiro momento e todo um sentido no segundo momento quando
já estamos adaptados ao piá e no fazer
cotidiano.
Cada
substância singular expressa todo o universo à sua maneira e em sua noção estão
incluídos todos os seus acontecimentos , com todas as suas circunstâncias e
toda a sequência das coisas externas[1]
O MUNDO DO PIÁ é um mundo
que acolhe e escuta, um mundo onde os lugares são muitos e estão em ambientes
abertos e fechados, um lugar onde o erro não será julgado, e sim visto como
construtivo de uma prática de criação e ao mesmo tempo libertador nos
desprendendo de amarras.
O Mundo do PIÁ é um mundo
de ressignificação, da ampliação da comunicação do tempo estendido, é o não
lugar de posturas tradicionais, é o lugar de pessoas reflexivas e provocativas.
Agora esse mundo é um mundo
ainda precário, um mundo que precisa ser
constantemente revisto e discutido, um mundo onde não há limites entre o certo
e o errado, onde o artista educador
acaba sendo resultante desse encontro entre crianças, espaços, ações colocando
em xeque suas certezas sobre o fazer criativo.
O PIÁ é um mundo que vai
sendo construído coletivamente pelos componentes do seu quadro de artistas
educadores, coordenadores, crianças, famílias, funcionários dos equipamentos,
etc, sem a ativa participação desses agentes o programa fica capenga, não
progride.
Trata-se de um mundo potencialmente existente, realmente
crível, que coexiste de maneira a priori ao nosso mundo atual.
Para
o Chico foi libertador, e segundo ele foi encantado pela “meiguice” das
artistas .
Para
mim enquanto artista e coordenadora foi um conforto fazer parte de um lugar que
escuta até aquilo que em outros lugares não se quer escutar, foi lugar de
confronto honesto, de construção de coletivo artístico e por que não dizer de
coletivo político também.
Bibliografia:
CAUQUELIN, Anne. No ângulo dos mundos possíveis. São Paulo: Martins Fontes. 2011
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/cientista-inteligencias-multiplas-423312.shtml
[1]
Gottfried Wilhem Leibniz, Discours de métaphysique [Discurso de metafísica] § IX,
Paris, Puf, 1959
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