segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Encontro de Piás nos territórios dos mundos (im)possíveis

Carmem Lazari - Coordenadora de Pesquisa/Ação
Região Noroeste

A idéia inicial deste ensaio veio após escutar o meu filho caçula que começou a freqüentar o PIÁ no CEU Butantã deste ano, ele me disse:
- Até que enfim achei um lugar num mundo pra mim !
Francisco tem 11 anos e é disléxico (transtorno de leitura e escrita) na escola  ele é muito incompreendido e por muitas vezes tem sua auto estima abalada pelas cobranças do ensino formal, suas habilidades são artísticas, o Chico desenha muito bem, canta, dança e fala com muita desenvoltura, mas a escola formal não quer saber disso, pra ela o que vale são apenas as inteligências lingüísticas e lógico matemática.
Segundo a  teoria de Howard Gardner que considera a inteligência como possuindo várias facetas, tais facetas, que na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais e que são chamadas de inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome explicita. A teoria das inteligências múltiplas foi estudada pelo psicólogo Howard Gardner como um contrapeso para o paradigma da inteligência única. Ele propôs que a vida humana requer o desenvolvimento de vários tipos de inteligências. Portanto, Gardner não entra em conflito com a definição científica de inteligência como sendo “a capacidade de resolver problemas ou fazer coisas importantes”.
Quando o Chico diz que há um lugar num mundo para ele, ele quer dizer que existe um espaço onde as habilidades dele são respeitadas e levadas em consideração e essa consideração para ele é importante.
Sendo este o meu primeiro ano no PIÁ na função de coordenadora de pesquisa/ação observei muitos Chicos nesse caminho, assim como encontrei um programa que além de atender essas crianças sem distinção também acolhe no seu corpo de artistas educadores e coordenadores pessoas com muitas potências e especialmente provocativas.
Percebi no piá um mundo próprio, e vou me utilizar da leitura do livro da Anne Cauquelin chamado “No ângulo dos mundos possíveis” pra me ajudar a refletir sobre esse tema de possibilidades de outros mundos.
Sendo a arte um universo de representação da realidade que podemos criar Anne Cauquelin faz um questionamento sobre o mundo ‘aberto’ pela arte, é lícito perguntar: que mundo, ou que mundos ? Um ou vários ? Será possível qualificá-lo? Uma vez que se leve a sério a definição de arte enquanto abertura do(s) mundo(s) teremos de ser capazes de descrever esses mundos identificar seus elementos , esboçar as leis de sua composição, etc

No PIÁ tive contato com palavras ou frases fora do comum, algumas se repetem, são elas:

-Porosidade
-Dilatamento do tempo
-Ordem do afeto
-O corpo performer
-Antiestrutura
-Pedagogia da Precariedade
-Pertencimento
-Ressignificação
- Atividade que não anula o corpo e por aí vai.

As palavras acima são palavras/frases muito utilizadas nos encontros de discussões sobre o fazer artístico pedagógico do PIÁ, palavras essas que causam um grande estranhamento no primeiro momento e todo um sentido no segundo momento quando já estamos adaptados ao piá  e no fazer cotidiano.
         Cada substância singular expressa todo o universo à sua maneira e em sua noção estão incluídos todos os seus acontecimentos , com todas as suas circunstâncias e toda a sequência das coisas externas[1]
        O MUNDO DO PIÁ é um mundo que acolhe e escuta, um mundo onde os lugares são muitos e estão em ambientes abertos e fechados, um lugar onde o erro não será julgado, e sim visto como construtivo de uma prática de criação e ao mesmo tempo libertador nos desprendendo de amarras.
        O Mundo do PIÁ é um mundo de ressignificação, da ampliação da comunicação do tempo estendido, é o não lugar de posturas tradicionais, é o lugar de pessoas reflexivas e provocativas.
        Agora esse mundo é um mundo ainda precário, um  mundo que precisa ser constantemente revisto e discutido, um mundo onde não há limites entre o certo e o errado, onde o artista  educador acaba sendo resultante desse encontro entre crianças, espaços, ações colocando em xeque suas certezas sobre o fazer criativo.
        O PIÁ é um mundo que vai sendo construído coletivamente pelos componentes do seu quadro de artistas educadores, coordenadores, crianças, famílias, funcionários dos equipamentos, etc, sem a ativa participação desses agentes o programa fica capenga, não progride.
Trata-se de um  mundo potencialmente existente, realmente crível, que coexiste  de maneira a priori ao nosso mundo atual.
        Para o Chico foi libertador, e segundo ele foi encantado pela “meiguice” das artistas .
        Para mim enquanto artista e coordenadora foi um conforto fazer parte de um lugar que escuta até aquilo que em outros lugares não se quer escutar, foi lugar de confronto honesto, de construção de coletivo artístico e por que não dizer de coletivo político também.

Bibliografia:

CAUQUELIN, Anne. No ângulo dos mundos possíveis. São Paulo: Martins Fontes. 2011
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/cientista-inteligencias-multiplas-423312.shtml




[1] Gottfried Wilhem Leibniz, Discours de métaphysique  [Discurso de metafísica] § IX, Paris, Puf, 1959

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