Ensaio - isabelle
benard – 2014 – PIÁ
Quais as imagens surgem nas criações das crianças. O que dizem estas
imagens?
Histórias criadas pela
turma de 8 à 10 anos da quarta tarde. As histórias foram criadas em um dos
nosso encontros em que brincamos livremente com as fantasias doadas pelo
artista educador Guilherme. Algumas vieram de escolas de samba, outras são
roupas de adultos, de peças de teatro, etc . Depois de vestirem as fantasias,
elas criaram as histórias e na semana seguinte se apresentaram para o grupo.
As histórias:
“Madame e suas filhas
e a bruxa do faraó” / autoras: Maria Eduarda, Claudia, Esther e Sofia
Era uma vez uma madame
e suas duas filhas. Um dia suas filhas falaram que ia viajar pro Egito. Quando
elas chegaram lá viram uma bruxa e elas foram infeitiçadas. A madame viu que
elas estavam demorando resolveu ir para lá e pelo caminho encontrou um lobo mal
e correu dele. Pelo caminho encontrou suas filhas desmaiadas e ela acordou
elas. Depois disso a bruxa infeitiçou a madame e uma das suas filhas com ela e
a outra da sua filha fugio e o lobo mal foi atrás dela. Pelo caminho ela
encontrou um pano mágico e ela jogou um feitiço no lobo depois correu para
salvar sua irmã e sua mãe da bruxa depois voltaram para casa e ficaram felizes
para sempre.
“O diabo bom” /
autores: João , Nathan, Gabriel, Luan
O diabo queria dominar
o mundo. ele criou o lobo. Os dois porquinhos moram na floresta. A noite na
escuridão o lobo vai para casa dos dois porquinhos.
—
Porquinho abre a porta se não eu vou bufar. A sua casa vai par o ar!
—
Não vou abrir!
—
Vou assoprar e assoprou
A
casa vai para o ar. Porquinho Miguel sai correndo para casa do porquinho Tiago.
E o lobo vai atrás.
—
Abra essa porta!
—
Não vamos abrir!
Lobo assopra e não
consegue. O lobo sobe no telhado e quebra toda a telha. Entra. Os porquinhos
saem e acendem uma fogueira em volta da casa e tudo pega fogo. O lobo morre.
O diabo se arrepende
das maldades e se torna bom.
“A vingança da rainha
má” / autores: Nathalia, Stefanie, Barbara, Isabella
Era uma vez uma rainha
má, uma rainha das araras azuis, uma arara azul, uma fada e um lobo.
A rainha má morava
numa caverna. E a arara azul Jade morava com a rainha das araras Vanessa numa
cachoeira e perto da cachoeira vivia uma fada Ângela e um lobo do bem Jack que
era amigo da fada. Um dia a rainha má disse: — eu quero matar a rainha Vanessa
e sua arara Jade para ter todo o poder. Então planejou o plano de matar a
rainha. Certo dia a arara Jade saiu só para um bosque que morava a fada e o
lobo, mas também a rainha má estava lá e a arara Jade estava em perigo. Aí a
rainha das araras começou a sentir-se mal. E o lobo que conhecia a rainha das
araras correu para ajudar a rainha que passava mal. Enquanto a arara Jade
estava em perigo. A fada que estava vendo tudo foi rapidamente salvar a arara e
conseguiu. A rainha ficou melhor e todos viveram felizes para sempre.
Os personagens, o
enredo, a magia, o final feliz das histórias de encantamento, de conto fadas
estão presente nas criações das crianças do piá. São imagens milenares que
todos conhecem e nas quais nos reconhecemos. Fadas, rainhas, bruxas, princesas,
os três porquinhos, aos quais se somam personagens novos, contemporâneos, como
araras e madames, e que convivem tranquilamente com os seus ancestrais
tradicionais e mais antigos nas histórias. A luta do bem contra o mal sempre
vencida pelo bem para que se possa terminar a história com um felizes para
sempre. São imagens-símbolos fortemente enraizadas em nosso imaginário. Elas
repetem situações bem conhecidas por todos e que sempre nos emocionam. São
imagens símbolos, atemporais. Os personagens contemporâneos parecem roupas
novas para vestir antigos personagens.
O enredo se repete, as
invenções das crianças se apóiam nestes enredos bem conhecidos. Elas são
construídas com começo meio e fim, quase de forma idêntica, no entanto as
crianças não demonstram ver nesta repetição algo já conhecido. As histórias são delas, criadas por elas,
genuinamente criadas e originais. Um personagem diferente, a mudança de um
detalhe no cenário torna o “velho” enredo em uma nova história. Quando
questionei os meninos sobre a história que estavam criando ser igual a dos Três
Porquinhos eles imediatamente argumentaram que não, pois havia várias
diferenças, a deles tinha apenas 2 porquinhos e também um diabo. Eles não se
incomodaram com a minha intervenção e continuaram a brincar.
O que significa ser
original para as crianças? Qual o sentido de ser original? Nós os adultos
artistas educadores procuramos sempre o novo, e creditamos muito valor a esta
qualidade chamada originalidade. Expressar-se genuinamente é sempre ir em busca
do que nunca foi dito, escrito, imaginado? Será possível realizar algo que seja
totalmente inovador, nunca tenha sido visto ou vivido? Ou será que revisitamos
o já vivido, porém em momentos diferentes de nossas vidas?
A morte é outra imagem
muito presente nas criações dos piás. Nós adultos evitamos de falar em morte na
presença das crianças. É de fato um assunto difícil para nós. Sentimos que
devemos dar uma resposta às crianças e não temos respostas a dar. O que sabemos
da morte além de ser inevitável e que deixaremos de existir. Se desaparecemos
definitivamente, ou se vamos “viver” algum lugar, em uma outra dimensão, um uma
outra forma de vida, não sabemos. Não falamos dela entre nós, não há lugar para
a morte em nossas vidas.
No entanto as crianças
falam com desprendimento da morte nos encontros no piá. Em quase todas as
histórias que elas criaram a morte aparece para acabar com um problema, eliminar
em um personagem mau. A morte é um fim, e para os personagens maus ela se
justifica por si só.
A turma de 11 a 14
anos de segunda e quarta feira à tarde criou uma peça de teatro onde a morte é
um dos personagens centrais da trama. Trata-se da morte repentina da mãe de
duas irmãs, em um acidente e os conflitos gerados por esta perda. Na peça a
morte é traumatizante, é ferida aberta que precisa de cuidados e move a trama. O
título da peça é “A morte pode doer”.
A turma de 8 a 10 anos
de quarta à tarde optou por criar uma instalação com o tema inferno em nossa
sala. Havia várias opções propostas pelas crianças: um castelo, uma floresta,
um jardim, timidamente alguém falou em inferno e durante a votação o inferno
foi ganhando corpo e venceu a concorrência, o que deixou as crianças eufóricas.
No inferno havia lavas de vulcão, fogo, fumaça, mortos sofrendo punições,
bruxas, rainhas, pedras. Montamos num dos cantos da sala o cenário do inferno.
Novamente o tema da morte aparece sob o tema do inferno.
A angustia da morte
está presente no imaginário das crianças. Será que elas tem a possibilidade de
brincar e falar da morte em outros espaços, em casa, na escola? Não sabemos,
mas sabemos que no piá é um tema importante e freqüente. Elas não nos solicitam
respostas, elas nos pedem espaço e tempo para abordar o assunto de forma lúdica
quando são menores e de forma mais crítica e dolorida quando adolescentes. Nos
cabe permitir que elas se expressem com liberdade.
Os personagens maus
aparece com bastante freqüência nas criações, mas não só estes, também as
fantasias edificantes de princesa, príncipe, rainha, rei e heróis são evocadas
A Nathalia, uma menina
de 8 anos, da turma de quarta feira à tarde, apresentou em nossa roda de
conversa de início, no momento do mostre e conte, duas fantasias em momentos
diferentes. Na primeira vez ela trouxe uma fantasia de lobo (lobo mau) feita
por ela própria. Alguns encontros depois ela trouxe uma fantasia de princesa,
desta vez feita pela sua mãe. No dia do lobo ela inventou uma brincadeira
chamada pega pega lobo, muito divertida e que todos gostaram muito. Ser lobo e
princesa é conviver com contradições e opostos dentre de nós. Será que este
convívio entre opostos internamente será mais tranqüilo e evitaremos conflitos
se nos permitirmos sê-los, como no caso citado acima, ou sempre será foco de grandes
angustias existenciais e guerras. Mostrar-se lobo e princesa facilitará esta
tarefa?
Que imagens nos habitam e que imagens escolhemos habitar?
..., nós não “temos” somente imagens dentro de nós, mas
nós “somos” ou, então, nós modelamo-nos à sua semelhança. Por outras palavras,
nós tomamos a sua forma, enfim nós criamos o nosso eu íntimo e o nosso destino
através delas.
p. 32 - “Educação e imaginário” Jean-Jacques Wunenburger / Alberto Filipe Araújo – Cortez editora
p. 32 - “Educação e imaginário” Jean-Jacques Wunenburger / Alberto Filipe Araújo – Cortez editora
Nenhum comentário:
Postar um comentário