segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Que imagens nos habitam e que imagens escolhemos habitar?


Ensaio - isabelle benard – 2014 – PIÁ
Quais as imagens surgem nas criações das crianças. O que dizem estas imagens?
Histórias criadas pela turma de 8 à 10 anos da quarta tarde. As histórias foram criadas em um dos nosso encontros em que brincamos livremente com as fantasias doadas pelo artista educador Guilherme. Algumas vieram de escolas de samba, outras são roupas de adultos, de peças de teatro, etc . Depois de vestirem as fantasias, elas criaram as histórias e na semana seguinte se apresentaram para o grupo.
As histórias:
“Madame e suas filhas e a bruxa do faraó” / autoras: Maria Eduarda, Claudia, Esther e Sofia
Era uma vez uma madame e suas duas filhas. Um dia suas filhas falaram que ia viajar pro Egito. Quando elas chegaram lá viram uma bruxa e elas foram infeitiçadas. A madame viu que elas estavam demorando resolveu ir para lá e pelo caminho encontrou um lobo mal e correu dele. Pelo caminho encontrou suas filhas desmaiadas e ela acordou elas. Depois disso a bruxa infeitiçou a madame e uma das suas filhas com ela e a outra da sua filha fugio e o lobo mal foi atrás dela. Pelo caminho ela encontrou um pano mágico e ela jogou um feitiço no lobo depois correu para salvar sua irmã e sua mãe da bruxa depois voltaram para casa e ficaram felizes para sempre.

“O diabo bom” / autores: João , Nathan, Gabriel, Luan
O diabo queria dominar o mundo. ele criou o lobo. Os dois porquinhos moram na floresta. A noite na escuridão o lobo vai para casa dos dois porquinhos.
  Porquinho abre a porta se não eu vou bufar. A sua casa vai par o ar!
  Não vou abrir!
  Vou assoprar e assoprou
A casa vai para o ar. Porquinho Miguel sai correndo para casa do porquinho Tiago. E o lobo vai atrás.
  Abra essa porta!
  Não vamos abrir!
Lobo assopra e não consegue. O lobo sobe no telhado e quebra toda a telha. Entra. Os porquinhos saem e acendem uma fogueira em volta da casa e tudo pega fogo. O lobo morre.
O diabo se arrepende das maldades e se torna bom.

“A vingança da rainha má” / autores: Nathalia, Stefanie, Barbara, Isabella
Era uma vez uma rainha má, uma rainha das araras azuis, uma arara azul, uma fada e um lobo.
A rainha má morava numa caverna. E a arara azul Jade morava com a rainha das araras Vanessa numa cachoeira e perto da cachoeira vivia uma fada Ângela e um lobo do bem Jack que era amigo da fada. Um dia a rainha má disse: — eu quero matar a rainha Vanessa e sua arara Jade para ter todo o poder. Então planejou o plano de matar a rainha. Certo dia a arara Jade saiu só para um bosque que morava a fada e o lobo, mas também a rainha má estava lá e a arara Jade estava em perigo. Aí a rainha das araras começou a sentir-se mal. E o lobo que conhecia a rainha das araras correu para ajudar a rainha que passava mal. Enquanto a arara Jade estava em perigo. A fada que estava vendo tudo foi rapidamente salvar a arara e conseguiu. A rainha ficou melhor e todos viveram felizes para sempre.
Os personagens, o enredo, a magia, o final feliz das histórias de encantamento, de conto fadas estão presente nas criações das crianças do piá. São imagens milenares que todos conhecem e nas quais nos reconhecemos. Fadas, rainhas, bruxas, princesas, os três porquinhos, aos quais se somam personagens novos, contemporâneos, como araras e madames, e que convivem tranquilamente com os seus ancestrais tradicionais e mais antigos nas histórias. A luta do bem contra o mal sempre vencida pelo bem para que se possa terminar a história com um felizes para sempre. São imagens-símbolos fortemente enraizadas em nosso imaginário. Elas repetem situações bem conhecidas por todos e que sempre nos emocionam. São imagens símbolos, atemporais. Os personagens contemporâneos parecem roupas novas para vestir antigos personagens.
O enredo se repete, as invenções das crianças se apóiam nestes enredos bem conhecidos. Elas são construídas com começo meio e fim, quase de forma idêntica, no entanto as crianças não demonstram ver nesta repetição  algo já conhecido. As histórias são delas, criadas por elas, genuinamente criadas e originais. Um personagem diferente, a mudança de um detalhe no cenário torna o “velho” enredo em uma nova história. Quando questionei os meninos sobre a história que estavam criando ser igual a dos Três Porquinhos eles imediatamente argumentaram que não, pois havia várias diferenças, a deles tinha apenas 2 porquinhos e também um diabo. Eles não se incomodaram com a minha intervenção e continuaram a brincar. 
O que significa ser original para as crianças? Qual o sentido de ser original? Nós os adultos artistas educadores procuramos sempre o novo, e creditamos muito valor a esta qualidade chamada originalidade. Expressar-se genuinamente é sempre ir em busca do que nunca foi dito, escrito, imaginado? Será possível realizar algo que seja totalmente inovador, nunca tenha sido visto ou vivido? Ou será que revisitamos o já vivido, porém em momentos diferentes de nossas vidas?
A morte é outra imagem muito presente nas criações dos piás. Nós adultos evitamos de falar em morte na presença das crianças. É de fato um assunto difícil para nós. Sentimos que devemos dar uma resposta às crianças e não temos respostas a dar. O que sabemos da morte além de ser inevitável e que deixaremos de existir. Se desaparecemos definitivamente, ou se vamos “viver” algum lugar, em uma outra dimensão, um uma outra forma de vida, não sabemos. Não falamos dela entre nós, não há lugar para a morte em nossas vidas.
No entanto as crianças falam com desprendimento da morte nos encontros no piá. Em quase todas as histórias que elas criaram a morte aparece para acabar com um problema, eliminar em um personagem mau. A morte é um fim, e para os personagens maus ela se justifica por si só.
A turma de 11 a 14 anos de segunda e quarta feira à tarde criou uma peça de teatro onde a morte é um dos personagens centrais da trama. Trata-se da morte repentina da mãe de duas irmãs, em um acidente e os conflitos gerados por esta perda. Na peça a morte é traumatizante, é ferida aberta que precisa de cuidados e move a trama. O título da peça é “A morte pode doer”.
A turma de 8 a 10 anos de quarta à tarde optou por criar uma instalação com o tema inferno em nossa sala. Havia várias opções propostas pelas crianças: um castelo, uma floresta, um jardim, timidamente alguém falou em inferno e durante a votação o inferno foi ganhando corpo e venceu a concorrência, o que deixou as crianças eufóricas. No inferno havia lavas de vulcão, fogo, fumaça, mortos sofrendo punições, bruxas, rainhas, pedras. Montamos num dos cantos da sala o cenário do inferno. Novamente o tema da morte aparece sob o tema do inferno.
A angustia da morte está presente no imaginário das crianças. Será que elas tem a possibilidade de brincar e falar da morte em outros espaços, em casa, na escola? Não sabemos, mas sabemos que no piá é um tema importante e freqüente. Elas não nos solicitam respostas, elas nos pedem espaço e tempo para abordar o assunto de forma lúdica quando são menores e de forma mais crítica e dolorida quando adolescentes. Nos cabe permitir que elas se expressem com liberdade.
Os personagens maus aparece com bastante freqüência nas criações, mas não só estes, também as fantasias edificantes de princesa, príncipe, rainha, rei e heróis são evocadas
A Nathalia, uma menina de 8 anos, da turma de quarta feira à tarde, apresentou em nossa roda de conversa de início, no momento do mostre e conte, duas fantasias em momentos diferentes. Na primeira vez ela trouxe uma fantasia de lobo (lobo mau) feita por ela própria. Alguns encontros depois ela trouxe uma fantasia de princesa, desta vez feita pela sua mãe. No dia do lobo ela inventou uma brincadeira chamada pega pega lobo, muito divertida e que todos gostaram muito. Ser lobo e princesa é conviver com contradições e opostos dentre de nós. Será que este convívio entre opostos internamente será mais tranqüilo e evitaremos conflitos se nos permitirmos sê-los, como no caso citado acima, ou sempre será foco de grandes angustias existenciais e guerras. Mostrar-se lobo e princesa facilitará esta tarefa?
Que imagens nos habitam e que imagens escolhemos habitar?

..., nós não “temos” somente imagens dentro de nós, mas nós “somos” ou, então, nós modelamo-nos à sua semelhança. Por outras palavras, nós tomamos a sua forma, enfim nós criamos o nosso eu íntimo e o nosso destino através delas. 
p. 32 - “Educação e imaginário” Jean-Jacques Wunenburger / Alberto Filipe Araújo – Cortez editora

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