quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

BRINCANDO NO CEU JARDIM PAULISTANO


por Rose Mara da Silva

Uma temática constante no PIÁ é o brincar, a brincadeira, o brinquedo, desde o primeiro até o último dia se falou no brincar e na importância do brincar para a criança. No entanto, numa cidade tão complexa como a nossa, vemos que muitos sentidos se perderam, se recriaram, surgiram e se complexificaram. De forma que o olhar sobre o brincar tomou uma dimensão mais complexa, mais dinâmica e concordando com Paulo Tatit “inovadora” pois a cerca de 30 anos atrás brincar se resumia a “coisa de criança” sem função nenhuma dentro do processo socioeducativo infantil, tanto que foi exatamente o fortalecimento da desvalorização do brincar que gerou a organização do tempo infantil tal qual temos atualmente, no qual a criança precisa estar em muitas atividades diárias organizadas numa rotina estressante e não há tempo para brincar. Assim, no Brasil pesquisadores da cultura da infância percebendo a falta da brincadeira na vida infantil passaram a se ocupar de criar bases que comprovam a importância do brincar para o desenvolvimento sustentável do humano.
Esse ensaio acabou se configurando como uma conversa, um relato de experiência, uma vez que a prática foi base para a discussão e reflexão das ideias aqui contidas e os formatos textuais disponíveis academicamente para se organizar o conhecimento ainda são precários no que diz respeito a articulação entre prática, experiência, reflexão e teorização.






PONTOS DE VISTA OU A VISTA DO PONTO CEU JARDIM PAULISTANO



A minha reflexão inicia num ponto que também gera muitas discussões dentro do PIÁ: o artista educador. Quem é o artista educador? O que ele faz? Como faz? Antes de enveredarmos pelas estradas do brincar vamos explicitar alguns pontos de partida que delinearam o olhar que se desenvolveu no núcleo do Ceu Jardim Paulistano sobre o artista educador, já que essa é a nomenclatura utilizada no PIÁ e que é via esse sujeito que carrega uma grande responsabilidade sobre os rumos do Programa que o PIÁ  acontece pela cidade de São Paulo.

A intrincada relação entre arte/educação, artista/educador, contexto social/artístico/educativo sempre foram pontos de grande discussão e reflexão por parte do núcleo de artistas educadoras do Ceu Jardim Paulistano, assim, a interação entre os 4 diferentes pontos de vista, as crianças, o contato com o contexto local, embasaram a prática do grupo. Procuro trazer aqui algumas bases teóricas que dialogam com a forma que encontramos para atuar e estar no PIÁ, não pretendo ser a voz de todas, estou apenas colocando referências que possuo e que trouxe para a roda na nossa constante troca de figurinhas.

Uma das ideias que conversa muito com a linha de trabalho que desenvolvemos é a ideia da arte como instrumento de produção de conhecimento ou como explicita Jorge Albuquerque Vieira





A arte é uma forma de conhecimento e este é algo imprescindível à sobrevivência. Os sistemas vivos que permaneceram no tempo, ao longo da evolução, só o fizera porque conseguiram desenvolver com sucesso várias formas e níveis de conhecimento. [...] o que temos aprendido com os mais recentes estudos sobre o ser humano e a chamada Teoria do Conhecimento é que a atividade artística é uma forma de representar o mundo; mais ainda, é um meio que nos permite sobreviver no mesmo e que atinge altos níveis de complexidade. (VIEIRA, 1998)





Assim, entendendo que a atividade artística passa por flexibilizar, criar pontes, portas e janelas nas ideias, emoções e sentimentos dentro do sujeito, foi que construímos todas as nossas estratégias para encontros e ações culturais. Ou seja, a arte está colocada aqui como uma facilitadora de descobertas e leituras do mundo por parte do indivíduo.



Uma segunda ideia que trago como referência para agregar uma forma de mapear o trabalho desenvolvido diz respeito à educação, temática muito polêmica dentro do programa, muito pelo aporte negativo e anacrônico que carrega a educação na atualidade. No entanto, apesar do contexto da educação ser grave neste momento, há grupos e linhas de pensamento desenvolvendo outro olhar, outra forma agir, outra forma de viver a educação, mas que muitas vezes não são conhecidos por conta dos preconceitos existentes em relação a esse tema. No que diz respeito a educação encontramo-nos ante a ideia de aptidão para organizar o conhecimento, ou seja,





O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá- las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global (a relação todo/partes), o Multidimensional, o Complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento. Entretanto, esta reforma é paradigmática e, não, programática: é a questão fundamental da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento. (MORIN, 2000)





Assim, na articulação entre a arte, geradora de conhecimento e a educação como aptidão para organização desse conhecimento é que se construiu a base para a prática artístico educativa no PIÁ Ceu Jardim Paulistano. Ser artistas-educadora compreendia tecer caminhos conjuntos entre e descoberta e geração do conhecimento e a aptidão para organizar esse conhecimento, procurando sempre realizar essas atividades em conjunto com as crianças, e entendendo o conhecimento como unidade aberta dentro da multiplicidade, tarefa complexa e árdua, uma vez que o mundo em que vivemos está organizado de forma oposta a esse pensamento.



Outra questão que se impôs e foi muito debatida dentro do nosso núcleo foi o cotexto social. Estar entre aquelas crianças que traziam referências muito particulares de seus cotidianos e ignorar essas informações seria uma atitude que inutilizaria completamente nossa presença no local, e mesmo a interação com as crianças. Para nos articularmos efetivamente dentro do par arte/educação foi necessário situar as informações e dados naquele contexto para adquirirem sentido e assim se constituir a experiência do encontro em seu sentido mais profundo



“O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de vista da experiência, nem “conhecimento” nem “vida” significam o que significam habitualmente. […] Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem sentido do que nos acontece.” (BONDÍA, 2001)



Imbuídas da ideia de não ignorar nenhuma dimensão da personalidade dos indivíduos com quem estávamos lidando e de viver experiências com aquelas crianças, fomos construindo nossa prática. A tarefa não foi simples, mas na medida do possível procuravamos sempre nos manter lúcidas sobre o lugar onde estávamos, o que fomos fazer lá, e principalmente, que não éramos detentoras do saber e que toda experiência se daria na interação entre o nosso universo e o universo das crianças daquela localidade.







INFÂNCIA NA SOCIEDADE DO CONSUMO: QUANTO CUSTA A BRINCADEIRA?



Já nos primeiros meses de trabalho percebemos que a questão do consumismo era uma pauta muito delicada e importante entre as crianças de todas as idades, mas principalmente entre os mais velhos. As relações pessoais, as tolerâncias e intolerâncias estavam intimamente ligadas as aquisições materiais das crianças, ao que tinham, ao que não tinham, ao que queriam ter. Nos encontros do PIÁ nunca demos espaço para eles levarem brinquedos de casa, no entanto, todas as crianças tinham uma convivência cotidiana além dos nossos encontros, pois estudavam nas escolas da região que eram todas muito próximas umas das outras, além disso em todas as turmas havia crianças com graus parentescos entre si. Nas turmas de 8 a 10 essas relações ficavam bem mais escancaradas e a hora do lanche era o momento em que se evidenciavam mais. No primeiro encontro com os pais percebemos na fala da maioria uma grande preocupação com a questão do consumo entre as crianças, brinquedos cada vez mais tecnológicos e caros, o fato de o shopping ser o passeio favorito das crianças, etc. No entanto, o discurso corrente entre eles era “trabalho muito para dar para o meu filho as coisas que eu não tive”, é muito importante entender que essa fala é contraditória com a preocupação do comportamento consumista das crianças, pois quando o pai afirma que quer o filho tenha as coisas que ele não teve ele está justamente endossando que ter mais coisas é melhor, nessa fala está embutida a idéia de que “eu seria melhor se tivesse tido mais coisas”, a criança percebe essas sutilezas de foma inconsciente e assimila esses valores, assim, não é nem um pouco espantoso as relações que percebemos nos grupos. Essa questão é muito complexa e não será possível discutí-la aqui em profundidade, no entanto precisamos nos debruçar rapidamente sobre ela para dar continuidade e substância às idéias presentes nesse ensaio.



Dentro desse contexto de consumo e alienação ao mundo tecológico no qual as crianças estavam imersas, percebemos uma resistência muito grande com todas as propostas de confeccionar coisas – com exceção das crianças na faixa etária de cinco a sete anos, que queriam levar todas as coisas que faziam para casa. Uma grande parte das crianças já com 10/11 anos tinha dificuldade de recortar com precisão e não sabiam dar nó, a impaciência com o processo de construção também era muito forte, havia uma indisponibilidade quase geral para o fazer, felizmente ao longo do ano fomos transformando essa realidade e conseguimos ter o envolvimento de grande parte das crianças em atividades como a confecção de máscaras, por exemplo, que durou dois encontros. Essa questão foi para mim, uma das mais preocupantes, pois crianças acostumadas com a vida de controles remotos e toutch-scream dos celulares, estavam cada vez menos apropriadas das suas capacidades motoras tanto finas quanto globais, além de perceber um comportamento acomodado do “não sei, faz para mim!”.



Uma outra questão relevante era a referência da televisão, dos desenhos e jogos de vídeo game e computador, muitas das criações elaboradas pelos grupos tinha como princípio personagens e linhas de raciocínios comuns ao universo televisivo, com as crianças de cinco a sete anos conseguíamos transcender essas referências em boa parte das vezes, mas à partir dos oito anos tornava-se cada vez mais difícil encontrar outra linha de raciocínio, quanto maior a idade, mais presos a realidade criada pela TV. Óbvio que temos consciência que de que a criança busca referências todo o tempo e vai encontrá-las em seus personagens favoritos, aqui o grande problema é que essas crianças possuíam apenas um tipo de referencial e demonstravam resistência em transitar por outras referências. Nesse aspectos levamos muitos vídeos para eles das diferentes linguagens artísticas para possibilitar a ampliação do repertório dessas crianças, buscando possibilitar outras pontes, outras possibilidades de criação, que iriam além daquelas que eles viam na TV e mesmo na internet, que é uma ferramenta acessível a maior parte a população periferica da cidade de São Paulo, mas que sem uma ampliação de repertório torna-se tão ou mais nociva que a TV.



Apresento aqui para vocês apenas alguns fatores relevantes do quadro atual da infância, que pude perceber nas turmas do CEU Jd. Paulistano. No contexto periférico essas questões tomam outras dimensões e acabam por se tornar um veneno imenso para a convivência das crianças, as piores sensações humanas são experimentadas quando lidamos com a tensão do par desejoXpossibilidade e daí surgem a agressividade, o bullying, a sensação de impotência, estresse familiar, sexualização precoce, obesidade mórbida infantil, a deturpação ética da convivência, etc. como explica Susan Linn, a origem de todas essas questões estão no marketing, embora não seja ele a única causa, contribui em uma parcela considerável para os problemas do consumo na infância. Ana Lucia Villela sintetiza



“...não vejo uma diferença muito grande entre pais de níveis econômicos diversos com relação ao consumismo dos filhos. Porque o apelo emocional do consumo atinge todo mundo! Porém, em uma região pobre, é mais triste porque o desejo é despertado e eles não podem comprar. Gastam o que não têm para comprar um produto que a criança não vai usar. A criança fica mais tempo sozinha em casa com a televisão ligada. Com menos recursos e com mais exposição a essas mensagens mercadológicas, o impacto é muito maior. Isso é um fato.” (VILLELA, 2010)





Há quem diga que a questão aqui levantada seja muito grande e que na condição de artistas-educadores não podemos dar conta de tal demanda. E eu concordo plenamente: não, não conseguimos dar conta - no entanto, na possibilidade que temos de apresentar outras referências, outras visões de mundo é que moram alternativas para os pais e crianças reorganizarem seus conhecimentos e forma de estar no mundo para lidar com essa questão tão aguda nos nossos tempos.





“APRENDER” A BRINCAR



Soa estranho a idéia de que as crianças devem “aprender” a brincar, pois é muito comum pensarmos que o brincar é inerente a infância e que toda criança já nasce sabendo brincar, no entanto, passamos por algumas situações ao longo do ano que nos levaram a entender o que explica Adriana Friedmann



“Alguns naturalistas dizem que o ser humano nasce sabendo brincar. Friedrich Schiller, filósofo alemão, dizia que o ser humano somente é humano quando brinca, e é humano porque brinca. Essa é uma linha que diz que as pessoas já nascem sabendo brincar. E existe outra linha, hoje muito discutida, que diz que o ser humano aprende a brincar. Eu tenho um olhar diferente. Vejo um diálogo entre as duas coisas. Tanto o ser humano já nasce com o potencial do lúdico, do brincar e da brincadeira, como ele também precisa aprender a brincar. Por exemplo: o bebê chega ao mundo, e o primeiro grande brinquedo dele é o próprio corpo e o corpo da mãe. Ele já nasce com o instinto lúdico. Mas é claro que, para a criança manipular objetos, brincar e dar sentido a uma brincadeira, muita coisa precisa ser aprendida.” (FRIEDMANN, 2010)



Tivemos uma turma que tinha uma convivência muito caótica, as crianças simplesmente não conseguiam harmonizar seus instintos lúdicos em prol de brincarem juntas, era praticamente impossível gerar a coletividade nesse grupo e foi um processo para o ano inteiro, no qual avançamos um pouco. As causas dessa dificuldade em conviver eram diversas e muito maiores do que o contexto local, entendemos no decorrer do processo que estávamos diante de questões sociais profundas e construídas a longo prazo, e que nossa presença na vida desses pais e crianças servia apenas para apresentar a possibilidade de construir parâmetros diferentes para a vida.



Foi muito complicado perceber enraizados nessa turma os valores violentos que tem origem na cultura do consumo. Sim, pois o discurso midiático que te oferece tudo e que diz que quem pode consumir mais tem mais direitos, que induz a um jogo de poderes entre as idéias de posse, imagens e direitos, causa danos terríveis a personalidades em construção. Principalmente se essas personalidades se vêem impossibilitadas de terem todas as coisas que são apresentadas nas propagandas publicitárias, quando não se pode consumir, se afirma a força de outra forma, pois dentro dessa trama imensa da indução ao consumo está implicita a ideia de que a sociedade se divide entre os que “conquistam” o direito de gozar e os outros, otários, a serem usados e abusados pelos mais espertos, como explica Maria Rita Kehl. E nessa turma praticamente todas as crianças tinham a necessidade de afirmar seu poder e sua capacidade de “brilhar” individualmente, certamente porque se sentiam muito desrespeitadas e ignoradas cotidianamente, seja na escola, seja na família. O PIÁ era o céu onde todas essas estrelas disputavam quem brilhava mais, e o brilho era tanto que ninguém conseguia ver nada, uma turma com crianças muito inteligentes e criativas, mas completamente desestruturadas emocionalmente para conviver com o outro.



E para brincar, criar, viver experiências, era necessário aprender a ver, ouvir e sentir o outro, então durante o ano o trabalho foi o de tornar possível a convivência para que o instinto lúdico se organizasse e eles pudessem ao menos conviver de forma menos caótica. Nessa turma pudemos perceber maiormente a evidência da necessidade de um trabalho continuado, pois quando a caminhada empreendida pelas artistas educadoras e o grupo começou a tomar uma direção o ano acabou, e certamente os próxim@s artistas educador@s terão que começar do zero.







A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR



Há várias formas de entender o brincar, na nossa trajetória ficou nítida a percepção de que brincar entre outras coisas trata-se de recriar tempos e espaços dentro de um ambiente. Assim, da salinha do PIÁ podíamos ir aos mais diversos lugares, das mais diversas maneiras, e a volta para a salinha do PIÁ sempre nos fazia ver outras coisas, ao voltar nós víamos a sala e as pessoas presentes de forma diferente.



Existem uma infinidade de justificativas para a importância do brincar, Lydia Hortélio diz que o brincar é importante e pronto, não precisa ser útil, pois em nossa sociedade temos os hábito de agregar importância às coisas por suas “utilidades” objetivas ou subjetivas, concordo com esse pensamento, porém acho importante registrar os pontos relevantes da brincadeira para a formação e transformação das personalidades humanas.



Há obviamente diversas maneiras de brincar no universo infantil, atualmente temos a tecnologia como fonte de verdadeiras viagens lúdicas jamais imaginadas em outros tempos, no entanto, aqui vamos focar na brincadeira “feita a mão”, construída coletivamente e que gera uma grande demanda para as capacidades imaginativas e criativas da criança. A brincadeira que coloco em foco aqui é aquela do jogo como experiência lúdica, como possibilidade de improviso, que nos coloca em contato com o desconhecido e que nos obriga a criar estratégias para continuar jogando.



Em primeiro lugar, dentro da idéia de brincar exposta aqui, vejo um ponto de confluência muito grande entre a brincadeira infantil e a brincadeira das manifestações culturais populares brasileiras – folguedos, folias, autos e festas –, ambas as formas de brincar carregam na sua essência a recriação de tempo e espaço, de formas muito diferenciadas e com diferentes tipos de organização e complexidade. No entanto, carregam a capacidade de organizar o coletivo, de gerar sentimento de pertencimento, de possibilitar um ambiente de troca, entre outras possibilidades.



Vejo também a brincadeira em ambos os sentidos como um mecanismo de resistência, no sentido mesmo de resistir a um contexto opressor e limitador construído socialmente. Como explicita André Carreira citando Ávila: o jogo quando evoluí de sua esfera de fenômeno individual e penetra as estruturas da vida social se faz transgressor, porque a mobilização da energia lúdica coletiva questiona os códigos e as regras sociais estabelecidas. Por meio dessa mobilização reconfigura-se pensamentos vigentes, questiona-se padrões de ação e de percepção do mundo, vivencia-se outras formas de ser e estar no mundo, entrar na brincadeira é criar um espaço virtual, dentro do qual tudo é possível.



A brincadeira é diluidora das fronteiras da vida real, possui um caráter de fluidez, nenhuma identidade é fixa. Hermano Vianna nos coloca ante a noção de que brincar é uma forma de nos retirarmos do mundo tendo em vista nos fazermos mais capazes de viver nele, pois na brincadeira a fronteira do impossível é quebrada e aí construímos mecanismos para transformações e diálogos mais fluidos com a realidade. O sujeito que se dispõe a integrar a brincadeira coletiva se coloca na condição de transformador e transformado pela realidade virtual criada pelo coletivo, assim, se a brincadeira segue um rumo que não me agrada eu dentro dela tenho a condição de transformá-la e torná-la mais interessante para mim.



“O jogo como experiência lúdica, é em essência questionador. Subverte a ordem que propicia tranquilidade, e a desequilibra. É esta a característica que define o jogo como elemento perigoso que se deve enquadrar como fenômeno temporário para seu controle.”

(CARREIRA, 2007)



Assim, dentro dessa perspectiva exalto a importância do brincar. No contexto, CEU Jardim Paulistano essas questões foram discutidas diversas vezes e de diversas maneiras, estratégias foram pensadas e criadas com a intenção de manter a vibratilidade do jogo, da brincadeira no encontro, buscando ainda ligar a brincadeira à arte de forma transdisciplinar, entendendo que as duas coisas se complementavam simultaneamente, quiçá eram a mesma coisa. Todos os encontros foram pensados lincando esse par brincadeira/arte, assim propusemos atividades, as crianças propuseram atividades, outras construímos junt@s nós e as crianças no momento do encontro. Assim, redescobrimos juntos a salinha da PIÁ, o CEU e as ruas do Jardim Paulistano, numa divertida brincadeira...





CONSIDERAÇÕES FINAIS



Este ensaio foi feito com a intenção de contextualizar o caminho percorrido pela equipe do CEU Jardim Paulistano no PIÁ no ano 2014. Colocando a perspectiva de arte-educação na qual trabalhamos e a necessidade de atuar sempre tendo em mente o contexto no qual se dava a atuação. Parti para a focalização das experiências e da questão do consumo infantil que foi uma das principais pedras no nosso caminho. Propus uma breve explicação sobre o aprendizado da brincadeira que desmonta em parte a visão idílica que carregamos da infância, e por fim, me posicionei sobre a brincadeira coletiva “feita à mão”, os conteúdos, as potencialidades e principalmente a característica transformadora do brincar.


Cada turma passou pelas idéias expostas aqui de uma maneira, houve turmas que se transformaram muito ao longo do processo, outras caminharam a passos mais lentos, principalmente no que concerne a “entrar” no jogo, pois o jogo como potencialidade de desestabilização do indivíduo no coletivo era um imenso desafio para algumas crianças que buscavam afirmar a sua identidade constantemente, primeiro era necessário construir o coletivo para depois jogar com ele. Em algumas turmas como as de cinco a sete anos, por exemplo, o jogo fluiu sem entraves, essa faixa ainda muito permeável ao novo e a sensorialidade, aproveitou cada segundo, cada viagem, cada proposta.



Por fim, todo o raciocínio exposto aqui segue como unidade aberta, foi desenvolvido no tempo e espaço do CEU Jd. Paulistano de abril a novembro de 2014, em conjunto com a comunidade, e no processo de contante recriação e invenção de outros tempos e espaços. Essas ideias são sínteses provisórias do processo vivido e apesar de serem muito sérias estão na esfera da brincadeira, esgarçando as fronteiras do im/possível...





REFERÊNCIAS:



BONDÍA, Jorge L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>



CARREIRA, André. Teatro de Rua: (Brasil e Argentina nos anos 1960): uma paixão no asfalto. Tradução: André Carreira. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores Ltda. 2007.



KEHL Maria R. Você decide Freud explica. O preconceito. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1996/1997.



MORIN E. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. 2a Ed. São Paulo: Cortez. Brasília, DF: UNESCO: 2000.



VIANNA Hermano, BALDAN Ernesto. Música do Brasil. São Paulo: Abril Entretenimento, 2000.



VIEIRA, Jorge A. O corpo na dança: Rudolf Laban e as modernas idéias científicas da complexidaade. Cadernos do GIPE-CIT: Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade/ Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro, Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas. Escola de Dança. - n. 1, nov. 1998. - Salvador: UFBA/ PPGAC, 1998.



VILLELA A. L., FRIEDRIMANN A., HORTÉLIO L., Criança e consumo. Vol. 5. São Paulo: Instituto Alana, 2010.

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