por Rose Mara da Silva
Uma temática constante no PIÁ é o brincar, a brincadeira, o brinquedo, desde o primeiro até o último dia se falou no brincar e na importância do brincar para a criança. No entanto, numa cidade tão complexa como a nossa, vemos que muitos sentidos se perderam, se recriaram, surgiram e se complexificaram. De forma que o olhar sobre o brincar tomou uma dimensão mais complexa, mais dinâmica e concordando com Paulo Tatit “inovadora” pois a cerca de 30 anos atrás brincar se resumia a “coisa de criança” sem função nenhuma dentro do processo socioeducativo infantil, tanto que foi exatamente o fortalecimento da desvalorização do brincar que gerou a organização do tempo infantil tal qual temos atualmente, no qual a criança precisa estar em muitas atividades diárias organizadas numa rotina estressante e não há tempo para brincar. Assim, no Brasil pesquisadores da cultura da infância percebendo a falta da brincadeira na vida infantil passaram a se ocupar de criar bases que comprovam a importância do brincar para o desenvolvimento sustentável do humano.
Esse
ensaio acabou se configurando como uma conversa, um relato de
experiência, uma vez que a prática foi base para a discussão e
reflexão das ideias aqui contidas e os formatos textuais disponíveis
academicamente para se organizar o conhecimento ainda são precários
no que diz respeito a articulação entre prática, experiência,
reflexão e teorização.
PONTOS
DE VISTA OU A VISTA DO PONTO CEU JARDIM PAULISTANO
A
minha reflexão inicia num ponto que também gera muitas discussões
dentro do PIÁ: o artista educador. Quem é o artista educador? O que
ele faz? Como faz? Antes de enveredarmos pelas estradas do brincar
vamos explicitar alguns pontos de partida que delinearam o olhar que
se desenvolveu no núcleo do Ceu Jardim Paulistano sobre o artista
educador, já que essa é a nomenclatura utilizada no PIÁ e que é
via esse sujeito que carrega uma grande responsabilidade sobre os
rumos do Programa que o PIÁ acontece pela cidade de São Paulo.
A
intrincada relação entre arte/educação, artista/educador,
contexto social/artístico/educativo sempre foram pontos de grande
discussão e reflexão por parte do núcleo de artistas educadoras do
Ceu Jardim Paulistano, assim, a interação entre os 4 diferentes
pontos de vista, as crianças, o contato com o contexto local,
embasaram a prática do grupo. Procuro trazer aqui algumas
bases teóricas que dialogam com a forma que encontramos para
atuar e estar no PIÁ, não pretendo ser a voz de todas, estou
apenas colocando referências que possuo e que trouxe para a roda na nossa
constante troca de figurinhas.
Uma
das ideias que conversa muito com a linha de trabalho que
desenvolvemos é a ideia da arte como instrumento de produção de
conhecimento ou como explicita Jorge Albuquerque Vieira
A arte é uma forma de
conhecimento e este é algo imprescindível à sobrevivência. Os
sistemas vivos que permaneceram no tempo, ao longo da evolução, só
o fizera porque conseguiram desenvolver com sucesso várias formas e
níveis de conhecimento. [...] o que temos aprendido com os mais
recentes estudos sobre o ser humano e a chamada Teoria do
Conhecimento é que a atividade artística é uma forma de
representar o mundo; mais ainda, é um meio que nos permite
sobreviver no mesmo e que atinge altos níveis de complexidade.
(VIEIRA, 1998)
Assim,
entendendo que a atividade artística passa por flexibilizar, criar
pontes, portas e janelas nas ideias, emoções e sentimentos dentro
do sujeito, foi que construímos todas as nossas estratégias para
encontros e ações culturais. Ou seja, a arte está colocada aqui
como uma facilitadora de descobertas e leituras do mundo por parte do
indivíduo.
Uma
segunda ideia que trago como referência para agregar uma forma de
mapear o trabalho desenvolvido diz respeito à educação, temática
muito polêmica dentro do programa, muito pelo aporte negativo e
anacrônico que carrega a educação na atualidade. No entanto,
apesar do contexto da educação ser grave neste momento, há grupos
e linhas de pensamento desenvolvendo outro olhar, outra forma agir,
outra forma de viver a educação, mas que muitas vezes não são
conhecidos por conta dos preconceitos existentes em relação a esse
tema. No que diz respeito a educação encontramo-nos ante a ideia de
aptidão para organizar o conhecimento, ou seja,
O
conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo
intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo
milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter
a possibilidade de articulá-las e organizá- las? Como perceber e
conceber o Contexto, o Global (a relação todo/partes), o
Multidimensional, o Complexo? Para articular e organizar os
conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é
necessária a reforma do pensamento. Entretanto, esta reforma é
paradigmática e, não, programática: é a questão fundamental da
educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o
conhecimento. (MORIN, 2000)
Assim,
na articulação entre a arte, geradora de conhecimento e a educação
como aptidão para organização desse conhecimento é que se
construiu a base para a prática artístico educativa no PIÁ Ceu
Jardim Paulistano. Ser artistas-educadora compreendia tecer caminhos
conjuntos entre e descoberta e geração do conhecimento e a aptidão
para organizar esse conhecimento, procurando sempre realizar essas
atividades em conjunto com as crianças, e entendendo o conhecimento
como unidade aberta dentro da multiplicidade, tarefa complexa e
árdua, uma vez que o mundo em que vivemos está organizado de forma
oposta a esse pensamento.
Outra
questão que se impôs e foi muito debatida dentro do nosso núcleo
foi o cotexto social. Estar entre aquelas crianças que traziam
referências muito particulares de seus cotidianos e ignorar essas
informações seria uma atitude que inutilizaria completamente nossa
presença no local, e mesmo a interação com as crianças. Para nos
articularmos efetivamente dentro do par arte/educação foi
necessário situar as informações e dados naquele contexto para
adquirirem sentido e assim se constituir a experiência do encontro
em seu sentido mais profundo
“O
saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a
vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação
entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de
vista da experiência, nem “conhecimento” nem “vida”
significam o que significam habitualmente. […] Este é o saber da
experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo
ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos
dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da
experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do
sentido ou do sem sentido do que nos acontece.” (BONDÍA, 2001)
Imbuídas
da ideia de não ignorar nenhuma dimensão da personalidade dos
indivíduos com quem estávamos lidando e de viver experiências com
aquelas crianças, fomos construindo nossa prática. A tarefa não
foi simples, mas na medida do possível procuravamos sempre nos manter
lúcidas sobre o lugar onde estávamos, o que fomos fazer lá, e
principalmente, que não éramos detentoras do saber e que toda
experiência se daria na interação entre o nosso universo e o
universo das crianças daquela localidade.
INFÂNCIA
NA SOCIEDADE DO CONSUMO: QUANTO CUSTA A BRINCADEIRA?
Já
nos primeiros meses de trabalho percebemos que a questão do
consumismo era uma pauta muito delicada e importante entre as
crianças de todas as idades, mas principalmente entre os mais
velhos. As relações pessoais, as tolerâncias e intolerâncias
estavam intimamente ligadas as aquisições materiais das crianças,
ao que tinham, ao que não tinham, ao que queriam ter. Nos encontros
do PIÁ nunca demos espaço para eles levarem brinquedos de casa, no
entanto, todas as crianças tinham uma convivência cotidiana além
dos nossos encontros, pois estudavam nas escolas da região que eram
todas muito próximas umas das outras, além disso em todas as turmas
havia crianças com graus parentescos entre si. Nas turmas de 8 a 10
essas relações ficavam bem mais escancaradas e a hora do lanche era
o momento em que se evidenciavam mais. No primeiro encontro com os
pais percebemos na fala da maioria uma grande preocupação com a
questão do consumo entre as crianças, brinquedos cada vez mais
tecnológicos e caros, o fato de o shopping ser o passeio favorito
das crianças, etc. No entanto, o discurso corrente entre eles era
“trabalho muito para dar para o meu filho as coisas que eu não
tive”, é muito importante entender que essa fala é contraditória
com a preocupação do comportamento consumista das crianças, pois
quando o pai afirma que quer o filho tenha as coisas que ele não
teve ele está justamente endossando que ter mais coisas é melhor,
nessa fala está embutida a idéia de que “eu seria melhor se
tivesse tido mais coisas”, a criança percebe essas sutilezas de
foma inconsciente e assimila esses valores, assim, não é nem um
pouco espantoso as relações que percebemos nos grupos. Essa questão
é muito complexa e não será possível discutí-la aqui em
profundidade, no entanto precisamos nos debruçar rapidamente sobre
ela para dar continuidade e substância às idéias presentes nesse
ensaio.
Dentro
desse contexto de consumo e alienação ao mundo tecológico no qual
as crianças estavam imersas, percebemos uma resistência muito
grande com todas as propostas de confeccionar coisas – com exceção
das crianças na faixa etária de cinco a sete anos, que queriam
levar todas as coisas que faziam para casa. Uma grande parte das
crianças já com 10/11 anos tinha dificuldade de recortar com
precisão e não sabiam dar nó, a impaciência com o processo de
construção também era muito forte, havia uma indisponibilidade
quase geral para o fazer, felizmente ao longo do ano fomos
transformando essa realidade e conseguimos ter o envolvimento de
grande parte das crianças em atividades como a confecção de
máscaras, por exemplo, que durou dois encontros. Essa questão foi para
mim, uma das mais preocupantes, pois crianças acostumadas com a vida
de controles remotos e toutch-scream dos celulares, estavam cada vez
menos apropriadas das suas capacidades motoras tanto finas quanto
globais, além de perceber um comportamento acomodado do “não sei,
faz para mim!”.
Uma
outra questão relevante era a referência da televisão, dos
desenhos e jogos de vídeo game e computador, muitas das criações
elaboradas pelos grupos tinha como princípio personagens e linhas de
raciocínios comuns ao universo televisivo, com as crianças de cinco
a sete anos conseguíamos transcender essas referências em boa parte
das vezes, mas à partir dos oito anos tornava-se cada vez mais
difícil encontrar outra linha de raciocínio, quanto maior a idade,
mais presos a realidade criada pela TV. Óbvio que temos consciência
que de que a criança busca referências todo o tempo e vai
encontrá-las em seus personagens favoritos, aqui o grande problema é
que essas crianças possuíam apenas um tipo de referencial e
demonstravam resistência em transitar por outras referências. Nesse
aspectos levamos muitos vídeos para eles das diferentes linguagens
artísticas para possibilitar a ampliação do repertório dessas
crianças, buscando possibilitar outras pontes, outras possibilidades
de criação, que iriam além daquelas que eles viam na TV e mesmo na
internet, que é uma ferramenta acessível a maior parte a população
periferica da cidade de São Paulo, mas que sem uma ampliação de
repertório torna-se tão ou mais nociva que a TV.
Apresento
aqui para vocês apenas alguns fatores relevantes do quadro atual da
infância, que pude perceber nas turmas do CEU Jd. Paulistano. No
contexto periférico essas questões tomam outras dimensões e acabam
por se tornar um veneno imenso para a convivência das crianças, as
piores sensações humanas são experimentadas quando lidamos com a
tensão do par desejoXpossibilidade e daí surgem a agressividade, o
bullying, a sensação de impotência, estresse familiar,
sexualização precoce, obesidade mórbida infantil, a deturpação
ética da convivência, etc. como explica Susan Linn, a origem de
todas essas questões estão no marketing, embora não seja ele a
única causa, contribui em uma parcela considerável para os
problemas do consumo na infância. Ana Lucia Villela sintetiza
“...não
vejo uma diferença muito grande entre pais de níveis econômicos
diversos com relação ao consumismo dos filhos. Porque o apelo
emocional do consumo atinge todo mundo! Porém, em uma região pobre,
é mais triste porque o desejo é despertado e eles não podem
comprar. Gastam o que não têm para comprar um produto que a criança
não vai usar. A criança fica mais tempo sozinha em casa com a
televisão ligada. Com menos recursos e com mais exposição a essas
mensagens mercadológicas, o impacto é muito maior. Isso é um
fato.” (VILLELA, 2010)
Há
quem diga que a questão aqui levantada seja muito grande e que na
condição de artistas-educadores não podemos dar conta de tal
demanda. E eu concordo plenamente: não, não conseguimos dar conta -
no entanto, na possibilidade que temos de apresentar outras
referências, outras visões de mundo é que moram alternativas para
os pais e crianças reorganizarem seus conhecimentos e forma de estar
no mundo para lidar com essa questão tão aguda nos nossos tempos.
“APRENDER”
A BRINCAR
Soa
estranho a idéia de que as crianças devem “aprender” a brincar,
pois é muito comum pensarmos que o brincar é inerente a infância e
que toda criança já nasce sabendo brincar, no entanto, passamos por
algumas situações ao longo do ano que nos levaram a entender o que
explica Adriana Friedmann
“Alguns
naturalistas dizem que o ser humano nasce sabendo brincar. Friedrich
Schiller, filósofo alemão, dizia que o ser humano somente é humano
quando brinca, e é humano porque brinca. Essa é uma linha que diz
que as pessoas já nascem sabendo brincar. E existe outra linha, hoje
muito discutida, que diz que o ser humano aprende a brincar. Eu tenho
um olhar diferente. Vejo um diálogo entre as duas coisas. Tanto o
ser humano já nasce com o potencial do lúdico, do brincar e da
brincadeira, como ele também precisa aprender a brincar. Por
exemplo: o bebê chega ao mundo, e o primeiro grande brinquedo dele é
o próprio corpo e o corpo da mãe. Ele já nasce com o instinto
lúdico. Mas é claro que, para a criança manipular objetos, brincar
e dar sentido a uma brincadeira, muita coisa precisa ser aprendida.”
(FRIEDMANN, 2010)
Tivemos
uma turma que tinha uma convivência muito caótica, as crianças
simplesmente não conseguiam harmonizar seus instintos lúdicos em
prol de brincarem juntas, era praticamente impossível gerar a
coletividade nesse grupo e foi um processo para o ano inteiro, no
qual avançamos um pouco. As causas dessa dificuldade em conviver
eram diversas e muito maiores do que o contexto local, entendemos no
decorrer do processo que estávamos diante de questões sociais
profundas e construídas a longo prazo, e que nossa presença na vida
desses pais e crianças servia apenas para apresentar a possibilidade
de construir parâmetros diferentes para a vida.
Foi
muito complicado perceber enraizados nessa turma os valores violentos
que tem origem na cultura do consumo. Sim, pois o discurso midiático
que te oferece tudo e que diz que quem pode consumir mais tem mais
direitos, que induz a um jogo de poderes entre as idéias de posse,
imagens e direitos, causa danos terríveis a personalidades em
construção. Principalmente se essas personalidades se vêem
impossibilitadas de terem todas as coisas que são apresentadas nas
propagandas publicitárias, quando não se pode consumir, se afirma a
força de outra forma, pois dentro dessa trama imensa da indução ao
consumo está implicita a ideia de que a sociedade se divide entre os
que “conquistam” o direito de gozar e os outros, otários, a
serem usados e abusados pelos mais espertos, como explica Maria Rita
Kehl. E nessa turma praticamente todas as crianças tinham a
necessidade de afirmar seu poder e sua capacidade de “brilhar”
individualmente, certamente porque se sentiam muito desrespeitadas e
ignoradas cotidianamente, seja na escola, seja na família. O PIÁ
era o céu onde todas essas estrelas disputavam quem brilhava mais, e
o brilho era tanto que ninguém conseguia ver nada, uma turma com
crianças muito inteligentes e criativas, mas completamente
desestruturadas emocionalmente para conviver com o outro.
E
para brincar, criar, viver experiências, era necessário aprender a
ver, ouvir e sentir o outro, então durante o ano o trabalho foi o de
tornar possível a convivência para que o instinto lúdico se
organizasse e eles pudessem ao menos conviver de forma menos caótica.
Nessa turma pudemos perceber maiormente a evidência da necessidade
de um trabalho continuado, pois quando a caminhada empreendida pelas
artistas educadoras e o grupo começou a tomar uma direção o ano
acabou, e certamente os próxim@s artistas educador@s
terão que começar do zero.
A
IMPORTÂNCIA DO BRINCAR
Há
várias formas de entender o brincar, na nossa trajetória ficou
nítida a percepção de que brincar entre outras coisas trata-se de
recriar tempos e espaços dentro de um ambiente. Assim, da salinha do
PIÁ podíamos ir aos mais diversos lugares, das mais diversas
maneiras, e a volta para a salinha do PIÁ sempre nos fazia ver
outras coisas, ao voltar nós víamos a sala e as pessoas presentes
de forma diferente.
Existem
uma infinidade de justificativas para a importância do brincar,
Lydia Hortélio diz que o brincar é importante e pronto, não
precisa ser útil, pois em nossa sociedade temos os hábito de
agregar importância às coisas por suas “utilidades” objetivas
ou subjetivas, concordo com esse pensamento, porém acho importante
registrar os pontos relevantes da brincadeira para a formação e
transformação das personalidades humanas.
Há
obviamente diversas maneiras de brincar no universo infantil,
atualmente temos a tecnologia como fonte de verdadeiras viagens
lúdicas jamais imaginadas em outros tempos, no entanto, aqui vamos
focar na brincadeira “feita a mão”, construída coletivamente e
que gera uma grande demanda para as capacidades imaginativas e
criativas da criança. A brincadeira que coloco em foco aqui é
aquela do jogo como experiência lúdica, como possibilidade de
improviso, que nos coloca em contato com o desconhecido e que nos
obriga a criar estratégias para continuar jogando.
Em
primeiro lugar, dentro da idéia de brincar exposta aqui, vejo um
ponto de confluência muito grande entre a brincadeira infantil e a
brincadeira das manifestações culturais populares brasileiras –
folguedos, folias, autos e festas –, ambas as formas de brincar
carregam na sua essência a recriação de tempo e espaço, de formas
muito diferenciadas e com diferentes tipos de organização e
complexidade. No entanto, carregam a capacidade de organizar o
coletivo, de gerar sentimento de pertencimento, de possibilitar um
ambiente de troca, entre outras possibilidades.
Vejo
também a brincadeira em ambos os sentidos como um mecanismo de
resistência, no sentido mesmo de resistir a um contexto opressor e
limitador construído socialmente. Como explicita André Carreira
citando Ávila: o jogo quando evoluí de sua esfera de fenômeno
individual e penetra as estruturas da vida social se faz
transgressor, porque a mobilização da energia lúdica coletiva
questiona os códigos e as regras sociais estabelecidas. Por meio
dessa mobilização reconfigura-se pensamentos vigentes, questiona-se
padrões de ação e de percepção do mundo, vivencia-se outras
formas de ser e estar no mundo, entrar na brincadeira é criar um
espaço virtual, dentro do qual tudo é possível.
A
brincadeira é diluidora das fronteiras da vida real, possui um
caráter de fluidez, nenhuma identidade é fixa. Hermano Vianna nos
coloca ante a noção de que brincar é uma forma de nos retirarmos
do mundo tendo em vista nos fazermos mais capazes de viver nele, pois
na brincadeira a fronteira do impossível é quebrada e aí
construímos mecanismos para transformações e diálogos mais
fluidos com a realidade. O sujeito que se dispõe a integrar a
brincadeira coletiva se coloca na condição de transformador e
transformado pela realidade virtual criada pelo coletivo, assim, se a
brincadeira segue um rumo que não me agrada eu dentro dela tenho a
condição de transformá-la e torná-la mais interessante para mim.
“O
jogo como experiência lúdica, é em essência questionador.
Subverte a ordem que propicia tranquilidade, e a desequilibra. É
esta a característica que define o jogo como elemento perigoso que
se deve enquadrar como fenômeno temporário para seu controle.”
(CARREIRA,
2007)
Assim,
dentro dessa perspectiva exalto a importância do brincar. No
contexto, CEU Jardim Paulistano essas questões foram discutidas
diversas vezes e de diversas maneiras, estratégias foram pensadas e
criadas com a intenção de manter a vibratilidade do jogo, da
brincadeira no encontro, buscando ainda ligar a brincadeira à arte
de forma transdisciplinar, entendendo que as duas coisas se
complementavam simultaneamente, quiçá eram a mesma coisa. Todos os
encontros foram pensados lincando esse par brincadeira/arte, assim
propusemos atividades, as crianças propuseram atividades, outras
construímos junt@s nós e as crianças
no momento do encontro. Assim, redescobrimos juntos a salinha da PIÁ,
o CEU e as ruas do Jardim Paulistano, numa divertida brincadeira...
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Este
ensaio foi feito com a intenção de contextualizar o caminho
percorrido pela equipe do CEU Jardim Paulistano no PIÁ no ano 2014.
Colocando a perspectiva de arte-educação na qual trabalhamos e a
necessidade de atuar sempre tendo em mente o contexto no qual se dava
a atuação. Parti para a focalização das experiências e da
questão do consumo infantil que foi uma das principais pedras no
nosso caminho. Propus uma breve explicação sobre o
aprendizado da brincadeira que desmonta em parte a visão idílica
que carregamos da infância, e por fim, me posicionei sobre a
brincadeira coletiva “feita à mão”, os conteúdos, as
potencialidades e principalmente a característica transformadora do
brincar.
Cada
turma passou pelas idéias expostas aqui de uma maneira, houve turmas
que se transformaram muito ao longo do processo, outras caminharam a
passos mais lentos, principalmente no que concerne a “entrar” no
jogo, pois o jogo como potencialidade de desestabilização do
indivíduo no coletivo era um imenso desafio para algumas crianças
que buscavam afirmar a sua identidade constantemente, primeiro era
necessário construir o coletivo para depois jogar com ele. Em
algumas turmas como as de cinco a sete anos, por exemplo, o jogo
fluiu sem entraves, essa faixa ainda muito permeável ao novo e a
sensorialidade, aproveitou cada segundo, cada viagem, cada proposta.
Por
fim, todo o raciocínio exposto aqui segue como unidade aberta, foi
desenvolvido no tempo e espaço do CEU Jd. Paulistano de abril a novembro de 2014, em conjunto
com a comunidade, e no processo de contante recriação e invenção
de outros tempos e espaços. Essas ideias são sínteses provisórias
do processo vivido e apesar de serem muito sérias estão na esfera
da brincadeira, esgarçando as fronteiras do im/possível...
REFERÊNCIAS:
BONDÍA,
Jorge L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>
CARREIRA,
André. Teatro de Rua: (Brasil e Argentina nos anos 1960): uma
paixão no asfalto. Tradução: André Carreira. São Paulo:
Aderaldo & Rothschild Editores Ltda. 2007.
KEHL
Maria R. Você decide Freud explica. O
preconceito. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1996/1997.
MORIN
E. Os sete saberes necessários para a educação do futuro.
2a Ed. São Paulo:
Cortez. Brasília, DF: UNESCO: 2000.
VIANNA
Hermano, BALDAN Ernesto. Música do Brasil. São Paulo: Abril
Entretenimento, 2000.
VIEIRA,
Jorge A. O corpo na dança: Rudolf Laban e as modernas idéias
científicas da complexidaade. Cadernos do GIPE-CIT:
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade,
Imaginário e Teatralidade/ Universidade Federal da Bahia. Escola de
Teatro, Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas. Escola de
Dança. - n. 1, nov. 1998. - Salvador: UFBA/ PPGAC, 1998.
VILLELA
A. L., FRIEDRIMANN A., HORTÉLIO L., Criança e consumo. Vol. 5.
São Paulo: Instituto Alana, 2010.