quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

BRINCANDO NO CEU JARDIM PAULISTANO


por Rose Mara da Silva

Uma temática constante no PIÁ é o brincar, a brincadeira, o brinquedo, desde o primeiro até o último dia se falou no brincar e na importância do brincar para a criança. No entanto, numa cidade tão complexa como a nossa, vemos que muitos sentidos se perderam, se recriaram, surgiram e se complexificaram. De forma que o olhar sobre o brincar tomou uma dimensão mais complexa, mais dinâmica e concordando com Paulo Tatit “inovadora” pois a cerca de 30 anos atrás brincar se resumia a “coisa de criança” sem função nenhuma dentro do processo socioeducativo infantil, tanto que foi exatamente o fortalecimento da desvalorização do brincar que gerou a organização do tempo infantil tal qual temos atualmente, no qual a criança precisa estar em muitas atividades diárias organizadas numa rotina estressante e não há tempo para brincar. Assim, no Brasil pesquisadores da cultura da infância percebendo a falta da brincadeira na vida infantil passaram a se ocupar de criar bases que comprovam a importância do brincar para o desenvolvimento sustentável do humano.
Esse ensaio acabou se configurando como uma conversa, um relato de experiência, uma vez que a prática foi base para a discussão e reflexão das ideias aqui contidas e os formatos textuais disponíveis academicamente para se organizar o conhecimento ainda são precários no que diz respeito a articulação entre prática, experiência, reflexão e teorização.






PONTOS DE VISTA OU A VISTA DO PONTO CEU JARDIM PAULISTANO



A minha reflexão inicia num ponto que também gera muitas discussões dentro do PIÁ: o artista educador. Quem é o artista educador? O que ele faz? Como faz? Antes de enveredarmos pelas estradas do brincar vamos explicitar alguns pontos de partida que delinearam o olhar que se desenvolveu no núcleo do Ceu Jardim Paulistano sobre o artista educador, já que essa é a nomenclatura utilizada no PIÁ e que é via esse sujeito que carrega uma grande responsabilidade sobre os rumos do Programa que o PIÁ  acontece pela cidade de São Paulo.

A intrincada relação entre arte/educação, artista/educador, contexto social/artístico/educativo sempre foram pontos de grande discussão e reflexão por parte do núcleo de artistas educadoras do Ceu Jardim Paulistano, assim, a interação entre os 4 diferentes pontos de vista, as crianças, o contato com o contexto local, embasaram a prática do grupo. Procuro trazer aqui algumas bases teóricas que dialogam com a forma que encontramos para atuar e estar no PIÁ, não pretendo ser a voz de todas, estou apenas colocando referências que possuo e que trouxe para a roda na nossa constante troca de figurinhas.

Uma das ideias que conversa muito com a linha de trabalho que desenvolvemos é a ideia da arte como instrumento de produção de conhecimento ou como explicita Jorge Albuquerque Vieira





A arte é uma forma de conhecimento e este é algo imprescindível à sobrevivência. Os sistemas vivos que permaneceram no tempo, ao longo da evolução, só o fizera porque conseguiram desenvolver com sucesso várias formas e níveis de conhecimento. [...] o que temos aprendido com os mais recentes estudos sobre o ser humano e a chamada Teoria do Conhecimento é que a atividade artística é uma forma de representar o mundo; mais ainda, é um meio que nos permite sobreviver no mesmo e que atinge altos níveis de complexidade. (VIEIRA, 1998)





Assim, entendendo que a atividade artística passa por flexibilizar, criar pontes, portas e janelas nas ideias, emoções e sentimentos dentro do sujeito, foi que construímos todas as nossas estratégias para encontros e ações culturais. Ou seja, a arte está colocada aqui como uma facilitadora de descobertas e leituras do mundo por parte do indivíduo.



Uma segunda ideia que trago como referência para agregar uma forma de mapear o trabalho desenvolvido diz respeito à educação, temática muito polêmica dentro do programa, muito pelo aporte negativo e anacrônico que carrega a educação na atualidade. No entanto, apesar do contexto da educação ser grave neste momento, há grupos e linhas de pensamento desenvolvendo outro olhar, outra forma agir, outra forma de viver a educação, mas que muitas vezes não são conhecidos por conta dos preconceitos existentes em relação a esse tema. No que diz respeito a educação encontramo-nos ante a ideia de aptidão para organizar o conhecimento, ou seja,





O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá- las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global (a relação todo/partes), o Multidimensional, o Complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento. Entretanto, esta reforma é paradigmática e, não, programática: é a questão fundamental da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento. (MORIN, 2000)





Assim, na articulação entre a arte, geradora de conhecimento e a educação como aptidão para organização desse conhecimento é que se construiu a base para a prática artístico educativa no PIÁ Ceu Jardim Paulistano. Ser artistas-educadora compreendia tecer caminhos conjuntos entre e descoberta e geração do conhecimento e a aptidão para organizar esse conhecimento, procurando sempre realizar essas atividades em conjunto com as crianças, e entendendo o conhecimento como unidade aberta dentro da multiplicidade, tarefa complexa e árdua, uma vez que o mundo em que vivemos está organizado de forma oposta a esse pensamento.



Outra questão que se impôs e foi muito debatida dentro do nosso núcleo foi o cotexto social. Estar entre aquelas crianças que traziam referências muito particulares de seus cotidianos e ignorar essas informações seria uma atitude que inutilizaria completamente nossa presença no local, e mesmo a interação com as crianças. Para nos articularmos efetivamente dentro do par arte/educação foi necessário situar as informações e dados naquele contexto para adquirirem sentido e assim se constituir a experiência do encontro em seu sentido mais profundo



“O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de vista da experiência, nem “conhecimento” nem “vida” significam o que significam habitualmente. […] Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem sentido do que nos acontece.” (BONDÍA, 2001)



Imbuídas da ideia de não ignorar nenhuma dimensão da personalidade dos indivíduos com quem estávamos lidando e de viver experiências com aquelas crianças, fomos construindo nossa prática. A tarefa não foi simples, mas na medida do possível procuravamos sempre nos manter lúcidas sobre o lugar onde estávamos, o que fomos fazer lá, e principalmente, que não éramos detentoras do saber e que toda experiência se daria na interação entre o nosso universo e o universo das crianças daquela localidade.







INFÂNCIA NA SOCIEDADE DO CONSUMO: QUANTO CUSTA A BRINCADEIRA?



Já nos primeiros meses de trabalho percebemos que a questão do consumismo era uma pauta muito delicada e importante entre as crianças de todas as idades, mas principalmente entre os mais velhos. As relações pessoais, as tolerâncias e intolerâncias estavam intimamente ligadas as aquisições materiais das crianças, ao que tinham, ao que não tinham, ao que queriam ter. Nos encontros do PIÁ nunca demos espaço para eles levarem brinquedos de casa, no entanto, todas as crianças tinham uma convivência cotidiana além dos nossos encontros, pois estudavam nas escolas da região que eram todas muito próximas umas das outras, além disso em todas as turmas havia crianças com graus parentescos entre si. Nas turmas de 8 a 10 essas relações ficavam bem mais escancaradas e a hora do lanche era o momento em que se evidenciavam mais. No primeiro encontro com os pais percebemos na fala da maioria uma grande preocupação com a questão do consumo entre as crianças, brinquedos cada vez mais tecnológicos e caros, o fato de o shopping ser o passeio favorito das crianças, etc. No entanto, o discurso corrente entre eles era “trabalho muito para dar para o meu filho as coisas que eu não tive”, é muito importante entender que essa fala é contraditória com a preocupação do comportamento consumista das crianças, pois quando o pai afirma que quer o filho tenha as coisas que ele não teve ele está justamente endossando que ter mais coisas é melhor, nessa fala está embutida a idéia de que “eu seria melhor se tivesse tido mais coisas”, a criança percebe essas sutilezas de foma inconsciente e assimila esses valores, assim, não é nem um pouco espantoso as relações que percebemos nos grupos. Essa questão é muito complexa e não será possível discutí-la aqui em profundidade, no entanto precisamos nos debruçar rapidamente sobre ela para dar continuidade e substância às idéias presentes nesse ensaio.



Dentro desse contexto de consumo e alienação ao mundo tecológico no qual as crianças estavam imersas, percebemos uma resistência muito grande com todas as propostas de confeccionar coisas – com exceção das crianças na faixa etária de cinco a sete anos, que queriam levar todas as coisas que faziam para casa. Uma grande parte das crianças já com 10/11 anos tinha dificuldade de recortar com precisão e não sabiam dar nó, a impaciência com o processo de construção também era muito forte, havia uma indisponibilidade quase geral para o fazer, felizmente ao longo do ano fomos transformando essa realidade e conseguimos ter o envolvimento de grande parte das crianças em atividades como a confecção de máscaras, por exemplo, que durou dois encontros. Essa questão foi para mim, uma das mais preocupantes, pois crianças acostumadas com a vida de controles remotos e toutch-scream dos celulares, estavam cada vez menos apropriadas das suas capacidades motoras tanto finas quanto globais, além de perceber um comportamento acomodado do “não sei, faz para mim!”.



Uma outra questão relevante era a referência da televisão, dos desenhos e jogos de vídeo game e computador, muitas das criações elaboradas pelos grupos tinha como princípio personagens e linhas de raciocínios comuns ao universo televisivo, com as crianças de cinco a sete anos conseguíamos transcender essas referências em boa parte das vezes, mas à partir dos oito anos tornava-se cada vez mais difícil encontrar outra linha de raciocínio, quanto maior a idade, mais presos a realidade criada pela TV. Óbvio que temos consciência que de que a criança busca referências todo o tempo e vai encontrá-las em seus personagens favoritos, aqui o grande problema é que essas crianças possuíam apenas um tipo de referencial e demonstravam resistência em transitar por outras referências. Nesse aspectos levamos muitos vídeos para eles das diferentes linguagens artísticas para possibilitar a ampliação do repertório dessas crianças, buscando possibilitar outras pontes, outras possibilidades de criação, que iriam além daquelas que eles viam na TV e mesmo na internet, que é uma ferramenta acessível a maior parte a população periferica da cidade de São Paulo, mas que sem uma ampliação de repertório torna-se tão ou mais nociva que a TV.



Apresento aqui para vocês apenas alguns fatores relevantes do quadro atual da infância, que pude perceber nas turmas do CEU Jd. Paulistano. No contexto periférico essas questões tomam outras dimensões e acabam por se tornar um veneno imenso para a convivência das crianças, as piores sensações humanas são experimentadas quando lidamos com a tensão do par desejoXpossibilidade e daí surgem a agressividade, o bullying, a sensação de impotência, estresse familiar, sexualização precoce, obesidade mórbida infantil, a deturpação ética da convivência, etc. como explica Susan Linn, a origem de todas essas questões estão no marketing, embora não seja ele a única causa, contribui em uma parcela considerável para os problemas do consumo na infância. Ana Lucia Villela sintetiza



“...não vejo uma diferença muito grande entre pais de níveis econômicos diversos com relação ao consumismo dos filhos. Porque o apelo emocional do consumo atinge todo mundo! Porém, em uma região pobre, é mais triste porque o desejo é despertado e eles não podem comprar. Gastam o que não têm para comprar um produto que a criança não vai usar. A criança fica mais tempo sozinha em casa com a televisão ligada. Com menos recursos e com mais exposição a essas mensagens mercadológicas, o impacto é muito maior. Isso é um fato.” (VILLELA, 2010)





Há quem diga que a questão aqui levantada seja muito grande e que na condição de artistas-educadores não podemos dar conta de tal demanda. E eu concordo plenamente: não, não conseguimos dar conta - no entanto, na possibilidade que temos de apresentar outras referências, outras visões de mundo é que moram alternativas para os pais e crianças reorganizarem seus conhecimentos e forma de estar no mundo para lidar com essa questão tão aguda nos nossos tempos.





“APRENDER” A BRINCAR



Soa estranho a idéia de que as crianças devem “aprender” a brincar, pois é muito comum pensarmos que o brincar é inerente a infância e que toda criança já nasce sabendo brincar, no entanto, passamos por algumas situações ao longo do ano que nos levaram a entender o que explica Adriana Friedmann



“Alguns naturalistas dizem que o ser humano nasce sabendo brincar. Friedrich Schiller, filósofo alemão, dizia que o ser humano somente é humano quando brinca, e é humano porque brinca. Essa é uma linha que diz que as pessoas já nascem sabendo brincar. E existe outra linha, hoje muito discutida, que diz que o ser humano aprende a brincar. Eu tenho um olhar diferente. Vejo um diálogo entre as duas coisas. Tanto o ser humano já nasce com o potencial do lúdico, do brincar e da brincadeira, como ele também precisa aprender a brincar. Por exemplo: o bebê chega ao mundo, e o primeiro grande brinquedo dele é o próprio corpo e o corpo da mãe. Ele já nasce com o instinto lúdico. Mas é claro que, para a criança manipular objetos, brincar e dar sentido a uma brincadeira, muita coisa precisa ser aprendida.” (FRIEDMANN, 2010)



Tivemos uma turma que tinha uma convivência muito caótica, as crianças simplesmente não conseguiam harmonizar seus instintos lúdicos em prol de brincarem juntas, era praticamente impossível gerar a coletividade nesse grupo e foi um processo para o ano inteiro, no qual avançamos um pouco. As causas dessa dificuldade em conviver eram diversas e muito maiores do que o contexto local, entendemos no decorrer do processo que estávamos diante de questões sociais profundas e construídas a longo prazo, e que nossa presença na vida desses pais e crianças servia apenas para apresentar a possibilidade de construir parâmetros diferentes para a vida.



Foi muito complicado perceber enraizados nessa turma os valores violentos que tem origem na cultura do consumo. Sim, pois o discurso midiático que te oferece tudo e que diz que quem pode consumir mais tem mais direitos, que induz a um jogo de poderes entre as idéias de posse, imagens e direitos, causa danos terríveis a personalidades em construção. Principalmente se essas personalidades se vêem impossibilitadas de terem todas as coisas que são apresentadas nas propagandas publicitárias, quando não se pode consumir, se afirma a força de outra forma, pois dentro dessa trama imensa da indução ao consumo está implicita a ideia de que a sociedade se divide entre os que “conquistam” o direito de gozar e os outros, otários, a serem usados e abusados pelos mais espertos, como explica Maria Rita Kehl. E nessa turma praticamente todas as crianças tinham a necessidade de afirmar seu poder e sua capacidade de “brilhar” individualmente, certamente porque se sentiam muito desrespeitadas e ignoradas cotidianamente, seja na escola, seja na família. O PIÁ era o céu onde todas essas estrelas disputavam quem brilhava mais, e o brilho era tanto que ninguém conseguia ver nada, uma turma com crianças muito inteligentes e criativas, mas completamente desestruturadas emocionalmente para conviver com o outro.



E para brincar, criar, viver experiências, era necessário aprender a ver, ouvir e sentir o outro, então durante o ano o trabalho foi o de tornar possível a convivência para que o instinto lúdico se organizasse e eles pudessem ao menos conviver de forma menos caótica. Nessa turma pudemos perceber maiormente a evidência da necessidade de um trabalho continuado, pois quando a caminhada empreendida pelas artistas educadoras e o grupo começou a tomar uma direção o ano acabou, e certamente os próxim@s artistas educador@s terão que começar do zero.







A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR



Há várias formas de entender o brincar, na nossa trajetória ficou nítida a percepção de que brincar entre outras coisas trata-se de recriar tempos e espaços dentro de um ambiente. Assim, da salinha do PIÁ podíamos ir aos mais diversos lugares, das mais diversas maneiras, e a volta para a salinha do PIÁ sempre nos fazia ver outras coisas, ao voltar nós víamos a sala e as pessoas presentes de forma diferente.



Existem uma infinidade de justificativas para a importância do brincar, Lydia Hortélio diz que o brincar é importante e pronto, não precisa ser útil, pois em nossa sociedade temos os hábito de agregar importância às coisas por suas “utilidades” objetivas ou subjetivas, concordo com esse pensamento, porém acho importante registrar os pontos relevantes da brincadeira para a formação e transformação das personalidades humanas.



Há obviamente diversas maneiras de brincar no universo infantil, atualmente temos a tecnologia como fonte de verdadeiras viagens lúdicas jamais imaginadas em outros tempos, no entanto, aqui vamos focar na brincadeira “feita a mão”, construída coletivamente e que gera uma grande demanda para as capacidades imaginativas e criativas da criança. A brincadeira que coloco em foco aqui é aquela do jogo como experiência lúdica, como possibilidade de improviso, que nos coloca em contato com o desconhecido e que nos obriga a criar estratégias para continuar jogando.



Em primeiro lugar, dentro da idéia de brincar exposta aqui, vejo um ponto de confluência muito grande entre a brincadeira infantil e a brincadeira das manifestações culturais populares brasileiras – folguedos, folias, autos e festas –, ambas as formas de brincar carregam na sua essência a recriação de tempo e espaço, de formas muito diferenciadas e com diferentes tipos de organização e complexidade. No entanto, carregam a capacidade de organizar o coletivo, de gerar sentimento de pertencimento, de possibilitar um ambiente de troca, entre outras possibilidades.



Vejo também a brincadeira em ambos os sentidos como um mecanismo de resistência, no sentido mesmo de resistir a um contexto opressor e limitador construído socialmente. Como explicita André Carreira citando Ávila: o jogo quando evoluí de sua esfera de fenômeno individual e penetra as estruturas da vida social se faz transgressor, porque a mobilização da energia lúdica coletiva questiona os códigos e as regras sociais estabelecidas. Por meio dessa mobilização reconfigura-se pensamentos vigentes, questiona-se padrões de ação e de percepção do mundo, vivencia-se outras formas de ser e estar no mundo, entrar na brincadeira é criar um espaço virtual, dentro do qual tudo é possível.



A brincadeira é diluidora das fronteiras da vida real, possui um caráter de fluidez, nenhuma identidade é fixa. Hermano Vianna nos coloca ante a noção de que brincar é uma forma de nos retirarmos do mundo tendo em vista nos fazermos mais capazes de viver nele, pois na brincadeira a fronteira do impossível é quebrada e aí construímos mecanismos para transformações e diálogos mais fluidos com a realidade. O sujeito que se dispõe a integrar a brincadeira coletiva se coloca na condição de transformador e transformado pela realidade virtual criada pelo coletivo, assim, se a brincadeira segue um rumo que não me agrada eu dentro dela tenho a condição de transformá-la e torná-la mais interessante para mim.



“O jogo como experiência lúdica, é em essência questionador. Subverte a ordem que propicia tranquilidade, e a desequilibra. É esta a característica que define o jogo como elemento perigoso que se deve enquadrar como fenômeno temporário para seu controle.”

(CARREIRA, 2007)



Assim, dentro dessa perspectiva exalto a importância do brincar. No contexto, CEU Jardim Paulistano essas questões foram discutidas diversas vezes e de diversas maneiras, estratégias foram pensadas e criadas com a intenção de manter a vibratilidade do jogo, da brincadeira no encontro, buscando ainda ligar a brincadeira à arte de forma transdisciplinar, entendendo que as duas coisas se complementavam simultaneamente, quiçá eram a mesma coisa. Todos os encontros foram pensados lincando esse par brincadeira/arte, assim propusemos atividades, as crianças propuseram atividades, outras construímos junt@s nós e as crianças no momento do encontro. Assim, redescobrimos juntos a salinha da PIÁ, o CEU e as ruas do Jardim Paulistano, numa divertida brincadeira...





CONSIDERAÇÕES FINAIS



Este ensaio foi feito com a intenção de contextualizar o caminho percorrido pela equipe do CEU Jardim Paulistano no PIÁ no ano 2014. Colocando a perspectiva de arte-educação na qual trabalhamos e a necessidade de atuar sempre tendo em mente o contexto no qual se dava a atuação. Parti para a focalização das experiências e da questão do consumo infantil que foi uma das principais pedras no nosso caminho. Propus uma breve explicação sobre o aprendizado da brincadeira que desmonta em parte a visão idílica que carregamos da infância, e por fim, me posicionei sobre a brincadeira coletiva “feita à mão”, os conteúdos, as potencialidades e principalmente a característica transformadora do brincar.


Cada turma passou pelas idéias expostas aqui de uma maneira, houve turmas que se transformaram muito ao longo do processo, outras caminharam a passos mais lentos, principalmente no que concerne a “entrar” no jogo, pois o jogo como potencialidade de desestabilização do indivíduo no coletivo era um imenso desafio para algumas crianças que buscavam afirmar a sua identidade constantemente, primeiro era necessário construir o coletivo para depois jogar com ele. Em algumas turmas como as de cinco a sete anos, por exemplo, o jogo fluiu sem entraves, essa faixa ainda muito permeável ao novo e a sensorialidade, aproveitou cada segundo, cada viagem, cada proposta.



Por fim, todo o raciocínio exposto aqui segue como unidade aberta, foi desenvolvido no tempo e espaço do CEU Jd. Paulistano de abril a novembro de 2014, em conjunto com a comunidade, e no processo de contante recriação e invenção de outros tempos e espaços. Essas ideias são sínteses provisórias do processo vivido e apesar de serem muito sérias estão na esfera da brincadeira, esgarçando as fronteiras do im/possível...





REFERÊNCIAS:



BONDÍA, Jorge L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>



CARREIRA, André. Teatro de Rua: (Brasil e Argentina nos anos 1960): uma paixão no asfalto. Tradução: André Carreira. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores Ltda. 2007.



KEHL Maria R. Você decide Freud explica. O preconceito. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1996/1997.



MORIN E. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. 2a Ed. São Paulo: Cortez. Brasília, DF: UNESCO: 2000.



VIANNA Hermano, BALDAN Ernesto. Música do Brasil. São Paulo: Abril Entretenimento, 2000.



VIEIRA, Jorge A. O corpo na dança: Rudolf Laban e as modernas idéias científicas da complexidaade. Cadernos do GIPE-CIT: Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade/ Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro, Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas. Escola de Dança. - n. 1, nov. 1998. - Salvador: UFBA/ PPGAC, 1998.



VILLELA A. L., FRIEDRIMANN A., HORTÉLIO L., Criança e consumo. Vol. 5. São Paulo: Instituto Alana, 2010.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A Criança e o Audiovisual - por Dodi Leal

A Criança e o Audiovisual
por Douglas Tavares Borges Leal (Dodi Leal)

Este texto visa tratar da interação e do conhecimento da criança com a linguagem audiovisual tomando como referência a experiência as atividades desenvolvidas no Programa de Iniciação Artística - Piá no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes - CFCCT no ano de 2014. No entanto, mais do que apenas investigar aspectos ligados ao aprendizado do audiovisual em si, pretende-se  por em questão aqui o próprio ato de aprender, a relação da criança com o artista-educador e as características criativas e autorais do ato criador.

Qual o papel do artista-educador na elaboração criativa das crianças? Tem-se como paradigma a ideia de que a ação pedagógica deve proporcionar as condições para uma emancipação intelectual de quem aprende. Diferentemente de uma lógica em que os mestres devem conduzir o aprendizado indicando o que deve ser aprendido, cabe ao pedagogo não explicar, mas possibilitar experiência.

"Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só. Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e bobos." (RANCIERE, 2013, p. 23).

Em um contexto no qual as crianças tiveram autonomia para desenvolver um projeto artístico, quem está no papel de mediação deve opinar ou não na concepção? Quem define que uma obra está acabada: o artista-educador ou a criança? E quando a criança dá a obra como terminada, pode o artista-educador sugerir novas ações? O artista-educador pode intervir criativamente na obra de uma criança? E o lançamento/exibição/publicação deve ser feito pelo adulto em vez da criança?

Como em todo processo criativo, as funções não precisam ser feitas por todos os participantes, cada um contribui de uma forma diferente. Neste caso consideramos que a relação do mediador em um processo criativo é pedagógica porque orienta o aprendizado das crianças e, ao mesmo tempo, é artística porque, juntamente com elas, elabora e autora uma obra/evento/intervenção. A experiência faz perceber que a apresentação de ferramentas e estratégias para manusear uma criação não está separada de uma postura artística e criativa do próprio artista-educador. Não só a seleção de materiais, cabe ao coordenador também imprimir na sua ação formas artísticas que inevitavelmente farão parte da composição com a criança. A garantia da autonomia da criança no processo criativo não significa que a criação e as escolhas são exclusivas dela. A autoria do que é criado junto entre artistas-educadores e crianças é necessariamente uma autoria compartilhada.

No entanto, talvez o mais relevante aspecto dos processos de criação mútua seja a oportunidade pedagógica do ato de criar. Neste sentido em um contexto de iniciação artística, o papel do artista-educador é muito mais amplo em fazer com que as condições ambientais, de materiais e temáticas sejam favoráveis ao aprendizado. Cabe a ele mais do que ensinar o teatro ou a música, mas possibilitar que a criança experimente cada linguagem com autonomia.

Da mesma forma, não faz qualquer sentido o ato criador emancipador sem a perspectiva da narrativa. Segundo Rancière (2013, p.55), a inteligência ligada a emancipação só pode acontecer quando o aprendiz pode contar, elaborar narrativa do seu percurso: "há inteligência ali onde cada um age, narra o que ele fez e fornece os meios de verificação da realidade de sua ação".

Mas e quando se trata de crianças? Quais as especificidades que a natureza da aprendizagem assume entre os pequenos? O universo infantil traz consigo inexoravelmente a prática da brincadeira. Sem levar em conta a ancestralidade e a naturalidade do ato de brincar, o artista-educador pode perder de vista o sujeito criança: a poética do brincar é sua linguagem essencial.

"Digamos, poeticamente, que Cinema e Psicanálise são brincadeiras de adultos, jogos-crianças: ambos têm cem anos de idade. E o buraco na areia? E a cambalhota? E o aro que desce a ladeira?" (MACHADO, 1998, p. 46).

O audiovisual talvez tenha sido a linguagem artística que mais se adaptou a era da informação. Televisão e internet são os meios propagadores mais populares daquilo que se pode fazer com a imagem em movimento em composição com recursos de som. O cinema continua sendo a modalidade mais autêntica do audiovisual. Isso se dá especialmente pelo fato de o cinema guardar o especial trabalho de narrativa ficcional aliado as etapas de concepção e produção, que acontecem em qualquer forma ou produto.

No Piá em 2014 experienciamos diversas formas de linguagem audiovisual com as crianças. Procuro enunciar aqui apenas três possibilidades. A forma de apresentação é a orientação de condução para o artista-educador tendo em vista sua aplicação em outros contextos. No primeiro caso, do Stop-Motion, insiro comentários de duas crianças que participaram do processo para dar ideia ao leitor da assimilação da proposta pela criança e do seu exercício de elaboração narrativa.


STOP-MOTION

Reunidos em uma sala de projeção, os artistas-educadores exibem filmes produzidos com a técnica do Stop-Motion. De natureza diversificada, os filmes exemplificam que há várias formas e materiais possíveis de ser utilizados. No entanto, o mais importante desta exibição no início é demonstrar a variedade narrativa. As crianças ora se atentam para as histórias, ora para o conceito. Não importa! O que faz valer esse contato é a ampliação de referências e a nutrição estética. Evidentemente a presença dos artistas-educadores aqui é fundamental no sentido de dar destaque ao conteúdo e aos tratamentos feitos em cada obra.

Terminada a exibição, passa-se a etapa de produção. Há a possibilidade de trabalho em grupo ou individualmente. As perguntas feitas neste momento são: « Qual história você quer contar? » e « Qual material você quer usar para contar essa história? ». Para facilitar a organização dos projetos, os artistas-educadores se dividem e vão acompanhando a execução de cada um. Um eventual critério de divisão dos grupos são as formas expressivas escolhidas para o trabalho. Resumimos em três: o desenho, os objetos e o corpo.

Quando já se sabe a história e o material, é hora de começar a produzir. No caso do desenho pode-se trabalhar com uma folha de sulfite na qual não há nada escrito ou desenhado. Inicia-se com uma foto deste estado. Em seguida faz-se o primeiro traço. Tira-se uma foto. Depois o segundo traço. Uma nova foto. E assim sucessivamente até a criança finalizar a história.

Se a matéria escolhida forem os objetos, há uma variedade grande de trabalho. Desde objetos prontos até a confecção com materiais recicláveis ou massinha de modelar. As crianças são convidadas, neste caso, a produzir todo o cenário onde se passa a história, além, é claro, dos personagens. A mistura de massinha com objetos recicláveis é uma experiência interessante para criação já que amplia as variantes de combinação dos materiais e, consequentemente, aumenta a riqueza expressiva do trabalho.

A última possibilidade é o corpo. Neste caso, pede-se que a criança desempenhe pequenas variações de movimento no lugar ou em deslocamento. O objetivo é tirar uma foto a cada instante de movimento sem deixar que qualquer posição diferente escape da fotografia.

Por fim, realiza-se a montagem dos filmes. Após a transferência dos arquivos de foto para o computador, realiza-se uma pesquisa de sons que podem dialogar com o conjunto de fotos que será posto em movimento. Em seguida, importam-se todos os arquivos em um programa de edição, de preferência com um visual simplificado e linguagem em português. Passam-se para as escolhas de apresentação, em que o artista-educador verificará as preferências da criança na abertura e fechamento do filme (tipo de fonte, qual texto, cor, efeito de animação); se há alguma foto que deve sair (em geral por ter ficado fora de quadro); qual a duração das imagens.

A experiência da duração é algo interessante: é preciso dar a oportunidade de as crianças conhecerem mais de uma possibilidade de duração. Na maior parte das vezes, por desconhecerem a medida exata que dá a ideia de ilusão de movimento a partir de fotogramas, a criança acha que a unidade mínima de cada foto é 1 segundo, e as vezes até 3 segundos!

É recomendável que seja feita uma mostra com os filmes das crianças estimulando outras pessoas a conhecerem o trabalho. O momento é oportuno para que cada grupo ou criança, no caso das que fizeram sozinhas, compartilhe as etapas de elaboração dos projetos e a sensação que tiveram de desenvolvê-lo e de vê-lo pronto.

A seguir apresento o relato de duas crianças que participaram da experiência. Foi solicitado que elas explicassem as razões de escolha das histórias bem como os procedimentos e materiais utilizados.

Por se tratar de uma experiência de elaboração manual e corporal altamente criativa,  e por ser extremamente flexível com relação a forma e conteúdo, essa modalidade pode ser realizada por crianças das três faixas etárias atendidas pelo programa: 5-7; 8-10 e 11-14. Outra observação: as próprias crianças podem fotografar cada momento do Stop-Motion. Quanto mais funções assumirem mais fácil será reproduzirem depois a experiência fora do programa.

"O Stop-Motion surgiu nas minhas aulas de Piá no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes com a ideia dos meus educadores Dodi Leal e Fernando Siviero. Foi uma ideia muito legal por isso todos nós topamos então começamos imediatamente o Stop-Motion. Pode ser de quatro maneiras como: massinha, desenho, corpo e construção de objetos. Você faz um movimento com qualquer uma dessas quatro sugestões e tira uma foto, depois outro movimento e tira outra e assim por diante. O título do meu filme foi Dor, mais dor. Escolhi esse título porque a história foi de lutas e mortes. E é sobre Karatê porque no momento em que os educadores deram a proposta eu estava pensando no assunto. Agradeço por essa ajuda dos meus educadores Dodi Leal e Fernando Siviero." (Luis Felipe - turma 7 - 11 a 14 anos - Piá CFCCT 2014).

"Fazer o Stop-Motion foi uma experiência legal, como eu gosto de música resolvi fazer uma história sobre música junto com minha amiga, a Giuliana. Na verdade a ideia veio de uma proposta anterior de um teatro musical que a gente ia fazer." (Stefanye Camili - turma 7 - 11 a 14 anos - Piá CFCCT 2014).

VIDEO-SELFIES
Em meio a um mundo em que as redes sociais parecem ser o meio de comunicação mais intenso e acessível nos grandes centros urbanos, a proposta de gravação de video-selfies é uma alternativa de experiência de criação com a linguagem audiovisual a partir de uma modalidade não só bastante difundida mas perfeitamente compreendida pelas crianças.

Justamente por se tratar de algo bem conhecido, é possível com os video-selfies ampliar o desafio de criação. Pode-se aqui trabalhar com propostas mais sofisticadas de argumentação ou performance. O caso experimentado vai de encontro com a oportunidade de desenvolver propostas mais elaboradas. Tratamos de criar video-selfies a partir de trechos textuais de uma obra literária.

O texto escolhido, As Histórias do Sr. Keuner, de Bertolt Brecht, contém inúmeros pequenos causos que colocam em questão o comportamento social e político dos seres humanos. Depois de lermos em grupo, cada criança é convidada a escolher um texto e memorizar.

Fora da sala de aula, de preferência em um lugar aberto, a criança posicionará a câmera um pouco acima do rosto, segurando com braços estendidos. A lente precisa estar direcionada para o rosto. Ao apertar o "rec" a criança pode começar a falar o texto a sua maneira. Em muitos casos em que elas não tiverem decorado exatamente o texto como foi escrito pelo autor, pede-se que falem o que se lembram dele.

Por se tratar de uma elaboração que tem a performance verbal e a oportunidade do tratamento literário, recomenda-se que esta modalidade seja desenvolvida com turmas de 11-14 anos.

 


TV CRIANÇA
Essa é a experiência de elaboração de um ou mais programas de TV cuja curadoria, apresentação, interpretação, produção e gravação são feitas pelas próprias crianças. Pergunta-se as crianças qual o programa que querem fazer. As possibilidades são muitas entre telejornal, programa de auditório, telenovela, desenho animado, etc. O mais importante é que apenas uma modalidade de programa seja escolhida de cada vez para que todos tenham a oportunidade de experimentar uma criação conduzida do começo ao fim.

Para os casos de programas com apresentadores em cena, será preciso construir os cenários. Se for um talk-show, podem-se desenhar em cartolinas os ambientes ou até mesmo fazer colagens a partir de revistas. Se for um telejornal será preciso elaborar mapas para indicação das previsões de tempo (ou até mesmo notícias geopolíticas!). A elaboração de um microfone de mão é opcional para um programa de auditório, mas imprescindível quando houver reportagem de rua. No estúdio pode-se elaborar um boom com vassoura e outros elementos. Para o telejornal é interessante construir uma bancada e para o talk-show um sofá para receber os entrevistados.

Um conteúdo interessante de se trabalhar é a organização da produção a partir da ordenação das informações de gravação. O instrumento que pode ser experimentado aqui é a claquete. As crianças podem fazer uma claquete de cartolina ou, se for possível, trabalhar com uma real. Nela poderão ser escritas as informações relativas ao plano e ao dia de filmagem, além do nome do programa, diretor, número de tomadas, etc.

Por se tratar de uma elaboração que tem a brincadeira e a imaginação a partir de algo já conhecido como fundamentos, o trabalho desta modalidade com turmas de 8-10 anos é ideal.







Referências

AUMONT, Jacques. O Olho interminável - Cinema e Pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

LEAL, Douglas. A Linguagem Cinematográfica e a Cena Teatral. Revista de Cinema. São Paulo, out 2013.

MACHADO, Marina Marcondes. A poética do brincar. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977.


RANCIERE, Jacques. O mestre ignorante - Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Tempo Espaço no Terreiro Terreno Reino PiÁ - Leo Cunha

No princípio, tudo é escuridão ou uma folha em branco a espera de um....

BUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.............................................................................................

P i Á


No Tempo                                                                                                                                   Espaço

O corpo deslocado no espaço-tempo.

O estrondo vai sumindo e aparecem novos sons, novas vozes vindas de um eco não muito distante.
O escuro permanece como cor de fundo e por cima uma explosão de cores que conduzem ao imprevisível. Criam-se rastros. Linhas de diferentes cores começam e se cruzar.
Há uma tentativa de criar uma teia.
E...

BUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMmmmmmmmmmmmm......................

Segunda explosão. Começa a Formação.

Ambiente líquido. Corpos puros que flutuam em ambiente preparado.
O homem volta-se para o seu umbigo. Curva-se sobre ele. Percebe seu corpo. Torna-se criança novamente.
Busca a pureza da criação de um novo ser, de um novo homem, de um novo mundo.

Há também aqueles que não regridem na memória coletiva. Neles não há Formação. Eles gritam Não. Neles há a necessidade de uma nova criança. Uma transfiguração dessa criança para além da afeição e cooperação.

Não há Formas.

BUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMmmmmmmmmmmmm......................

O corpo é deslocado e perde seu significado. Um corpo disforme. Corpo estranho. Um corpo sem corpo. Sem vida. Sem fala. Sem tempo.
O corpo aqui parado diante do branco nada diz. Ou diz muito pouco no movimento do tempo e espaço.

KABUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMmmmmmmmmmmm...............................
BUUUUUUUUUMMMMMMMMMmmmmmmmm...................................................................
BUUUUUuuuummmmmmmm.................................................................................................
Bum.........................................................................................................................................

E assim vai. Explosões em série seguidas intuitivamente pelo artista educador. Explosões que surgem de uma necessidade vital de tentar se comunicar. Surge de uma motivação e vontade para iniciar uma obra, de um tema, tentando transmitir a melhor forma de expressá-lo. 
Confesso que é difícil expressar por meio da palavra aquilo que o corpo já sabe por intuição. As explosões são intuitivas, que saem da ideia de uma realidade tentando alcançar uma forma, que neste momento tento traduzir em forma de texto.


TEMPO E ESPAÇO NO TERREIRO TERRENO REINO

Eu olhava. A criança segurando a linha girou que girou o Baragandão. Girou no espaço, em torno do seu corpo. Fazia força e careta para girá-lo. E Soltou. No ar fez um arco-íris com sua calda colorida. “Professor”, meu baragandão ficou preso lá em cima, disse ele.
Já se vão alguns anos que essa criança lançou o brinquedo no ceu. Sempre passo por ele e lembro desse momento. Ele continua lá pendurado. Arco-Íris que não some.

As razões que direcionam nosso interesse para este tema se relacionam a uma tomada de posição crítica ao nosso tempo e ao nosso cotidiano, sobretudo, nos espaços públicos em que nossa ação poética tangencia algumas vezes interesses divergentes, problemas e limitações estruturais.” REVISTA PIAPURU 2013, pag 30

E agora, quem é que vai tirar aquele negócio lá de cima?” Disse o NaC, rachando o tempo e espaço com a realidade que lhe cabe, se referindo ao arco-íris.

Essa imagem presente da criança e das limitações estruturais diz muito do que somos PiÁ no “CeU” de estrelas. Corpos que vivem em determinado território, tentando criar articulações na medida em vão acontecendo as coisas entre a cultura infantil, com seu universo próprio, poético e com as narrativas vindas do entorno de um equipamento e de dentro dele mesmo, entende-se, via coordenação de nac.

Pergunto, como criar articulações convergentes dentro desse corpo-território com a narrativa de uma Secretaria de Cultura e Nacs?

Nestes seis anos em que participei do PiÁ e neste último como coordenador de equipe, a maior dúvida e lacuna que percebo é de como legitimar o PiÁ nos equipamentos em que ele atua, Ceus, Casas de Cultura, Bibliotecas, Escolas, de forma que estes entendam a transitoriedade do Programa, a sua constante reformulação a cada ano que passa e como os AEs que acabam de chegar entendam os limites em que cada projeto atua e mesmo dessa forma como se apoderam do Programa, tendo autonomia para atuar como artista ou educador 
Como ter um discurso mais autônomo dentro de uma multiplicidade de formas de trabalhar, de pensar, de situações adversas?
Como trazer e desenvolver o espaço e tempo com a criança? Em que ambiente iremos atuar sabendo sempre que cada ano estamos com a sensação de recomeço?

Certa vez olhava a criança entrar na cabine-caixa de papelão. De lá sai com um vestido bem maior que ela, branco. Ela gira, gira, gira, o vestido abre ocupando o espaço. Dá risadas e entorpecida pelo transe-brincadeira cai exausta. Professor, disse ela deitada. O mundo não pára de girar.