“Essa
menina só faz arte! Ai como esse menino é arteiro!”
É curioso como a arte está
relacionada a tantos outros significados além do sentido da própria arte. A
arte muitas vezes considerada qualquer coisa, neste caso do menino arteiro e/ou
da menina que só faz arte, está diretamente associada à bagunça. Não tenho pretensão
aqui nem muito menos audácia de explicar o que é a arte, mas uma pergunta me
intriga: o que é de fato a bagunça? Não seria a bagunça a própria brincadeira?
Quando uma criança quebra uma cestinha de porcelana que decora a estante de sua
casa porque está correndo pela estrada afora brincando de ser Chapeuzinho
Vermelho, estaria esta criança brincando ou fazendo bagunça? Quando uma criança
abre o guarda-roupa dos pais e tira tudo do lugar para pegar roupas, adereços e
maquiagem para brincar de ser adulto, esta criança estaria brincando ou fazendo
bagunça? O imaginário da criança é vasto e capaz de transformar tudo em brincadeira.
O olhar da criança é cheio de possibilidades e vê nas pequenas e, aparentemente,
fúteis coisas, elementos incríveis. Ela é capaz de transformar uma caixa de
leite em uma espaçonave cheia de luzes e cores; um sapato em um barco repleto
de passageiros, um bambolê em um volante gigante, e assim por diante.
Neste ano de 2015, no qual integrei uma das
equipes do PIÁ, percebi que a brincadeira, que muitas pessoas confundem com a
bagunça, é a própria arte da criança, o jeito que ela encontra de transformar
aquilo que ela imaginou em criação. Ao lado de outros educadores: uma atriz, um
músico e uma bailarina, eu que estava inserida no Programa como
Artista-educadora de Artes Integradas, pude brincar de tudo que se pode
imaginar, porque nos permitimos enquanto artistas-educadores adentrar o
universo lúdico e mágico das crianças.
Para tanto, algumas perguntas
instigavam o nosso trabalho. Como dança o corpo da criança? Dança com os passos
de jazz? Dança com as posições do Balé? Dança com os golpes da capoeira? Ou
será que quando esse pequeno e flexível corpo desliza no chão como uma cobra, quando
pula como um sapo ou quando abre os braços correndo como um pássaro este corpo já
não está dançando?
Como a criança faz música? Ela
faz música aprendendo a ler a partitura? Será que ela faz música entendendo
ritmo e pulsação? Faz música contando compassos? Ou será que a criança faz
música quando bate palma? Faz música quando descobre os sons de objetos que
bate no chão ou no próprio corpo? Faz música combinando sons aleatórios da
maneira que ela bem entende? Será que faz música quando canta uma cantiga?
Como atua a criança? Atua
decorando um texto? Atua decorando as marcas e deixas? Ou atua quando brinca de
ser polícia e ladrão? Quando brinca de ser bruxa, príncipe e princesa? Quando
brinca de ser um monstro terrível e para isso faz a careta mais assustadora e
brinca com sua voz que mais parece um grunhido? Ou será que atua quando enfeita
o corpo com adereços e fantasias encontrados no espaço em que está, seja ele
qualquer espaço? Qualquer coisa vira qualquer outra coisa. O nada vira tudo.
Para responder estas perguntas
na prática, propusemos diversas brincadeiras utilizando as várias artes, mas
sobretudo estávamos abertos para as brincadeiras propostas pelas próprias
crianças. O brincar foi, portanto, desenvolvido tendo a criança como
protagonista das aulas. Sendo assim, percebemos que esse universo da brincadeira
permeia todas as linguagens artísticas porque a criança vê o mundo de uma
maneira totalmente diferente do adulto. Longe da metodologia, longe das
fórmulas, longe da obrigatoriedade. A criança vê o mundo de uma maneira muito
mais simples, mais leve e divertida.
Ao
assistir brincadeiras realizadas pelas próprias crianças, nossas propostas pensadas
para aquela aula eram modificadas ou incrementadas e o resultado disso era
sempre incrível. Brincadeiras com tantas facetas e resultados dos mais
diversos. Constatamos assim, que as crianças já trazem dentro de si possibilidades
artísticas sem saber que são possibilidades artísticas. O que elas trazem é a imaginação
e a ousadia tão essenciais para a arte. E quando penso nisso, lembro sempre da
arte dramática que é o jogo, o brincar, e se o teatro parte deste princípio,
não poderiam as outras artes partir da mesma essência pensando na infância?
As
crianças possuem um repertório próprio. Repertório de brincadeiras, jogos,
ideias, palavras. Sorte dos artistas-educadores que tem a possibilidade de
entrar em contato com as crianças e se repertoriar. Mais sorte ainda dos
artistas-educadores que estão abertos à troca e ao aprendizado; a falar de
igual para igual com os educandos, e vou além, penso então, quem seriam de fato
os educandos? Não seríamos todos nós? Todos nós, artistas e crianças que nos
propomos a fazer esta grande bagunça coletiva?
Que
bom que “Essa menina só faz arte!” E que ótimo que “esse menino é arteiro!”
Afinal, uma criança que não faz bagunça, que não brinca, não está cumprindo o
seu papel de criança, o seu papel de brincante.
Adreísa Cangussú
Artista-educadora PIÁ
CEU Cantos do Amanhecer
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