Paulo
R. Ferreira - Petrella
1.
INTRODUÇÃO
Em
alguns anos trabalhando com o que algumas instituições nas quais trabalhei e
trabalho usam o termo Iniciação Artística para nomear um processo pedagógico
com diferentes do que se conhece como Educação Artística, Educação pela Arte
e/ou Arte-educação. Sendo eu um profissional da dança e tendo domínio em
diversas facetas dessa plataforma, essa tem sido minha contribuição nesses
projetos, escolas e outras instituições.
Muitas
vezes esse ambiente me remete a algumas lembranças da pré-escola (entre 1981 e
1983, aproximadamente), um período de pré-alfabetização, processo esse que se
iniciou no primeiro ano do Primário (hoje Ensino Fundamental). Existem alguns
códigos parecidos sobre o que se pensa sobre a criança e algumas regras e
convenções ao “pensar a infância” e os procedimentos em sala de aula.
A
partir daí proponho um breve pensar sobre os conceitos de infância pré
estabelecidos na escola principalmente, com os pensamentos de Marina Marcondes
Machado em seu artigo “A Criança É Performer” (2010) onde ela coloca a criança
no centro da ação, no qual talvez não caiba o adulto “ensinar” a criança a
criar mas criar terreno fértil para seu desenvolvimento, mais especificamente
de desenvolvimento estético, e sua influencia nas demais disciplinas.
2.
CONVENÇÕES
PRÉ-ESTABELECIDAS
Lima
Cortez nos diz que “na Antiguidade não existia um conceito formado sobre a
infância, o que resultaria na falta de conhecimento quanto às peculiaridades
infantis”, no entanto nos dias de hoje a infância é um campo vasto de estudos
em psicologia, pedagogia, artes, medicina, esportes, etc., mas é comum ouvirmos
e vermos ao nosso redor, na vizinhança, na tv frases do tipo “é para criança”,
“tem cara de criança”, “mas isso é infantil, não é?” o que faz pensar que
existem códigos, signos, índices que nos fazem pensar que uma mesa de tamanho
bem menor que uma mesa convencional é para crianças e não um utilitário como um
criado mudo, por exemplo; se for uma mesa com superfície de textura lisa, com
pontas arredondadas, cores claras e chapadas e de peso leve sabemos que “é para
crianças”, se for de madeira texturizada de cor escura essa mesa “não é para
crianças”. Existem uma serie de estudos realizados para que esta mesa seja
adequada ao mercado infantil, seja na escola, ou para quem tem filhos pequenos
e possa adquirir esse bem material e que, obviamente tem sua funcionalidade é
indiscutível para segurança da criança ao brincar com a mesa. Neste exemplo,
percebemos que uma série de convenções foram criadas a partir dos diferentes
conceitos de infância, e que tem como efeito colateral a criação de
estereótipos sobre esse universo, e considerando que a educação é um reflexo de
nossa sociedade, e a educação de hoje refletirá na sociedade futura, temos
então uma educação estruturada em estereótipos? Não necessariamente.
Se
pegássemos outro exemplo próximo poderia ser o de uma mesa “feita por uma
criança”, quando ela pega uma caixa de papelão e a vira de ponta cabeça e
começa a apoiar objetos e cria todo um sistema organizacional no brincar
ressignificando suas ações. Existe uma diferença clara aqui, uma visão adulta
da mesa para brincar que já vem pronta e na qual eu como adulto determino que
será adequada para a criança, e quando ela propõe espontaneamente uma
representação do mundo adulto através da relação entre linhas, dimensões,
funções, cores e conteúdos e reinventa o mundo qual ela observa. Isto é,
observar a criança a partir dela mesma, antes de usar a lente das convenções
sobre a criança que, muitas foram criadas do ponto de vista mercadológico, para
o consumo e nem sempre priorizam seu desenvolvimento.
3.
TOMATINTA
Ao longo do tempo de minha vivencia
como educador, me foi permitido, por quase nunca fazer parte de uma estrutura
formal de ensino, me submeter a diferentes procedimentos, muitos deles partiam
das idéias dos próprios alunos no encontro. Sendo assim, pude observar o modo
como eles descobrem coisas e no seu fazer constroem técnicas, modos de fazer,
criam estruturas, finalizam, elaboram e discorrem, dentro de seu léxico sobre
determinada atividade que, não necessariamente tem um contúdo pré-estabelecido.
Me recordo quando na pré-escola
existia o saudoso mimiógrafo no qual havia um desenho pronto (que não havia
sido feito pela professora) como um passarinho, casa, garota de vestido e
laçarote, garoto com camiseta listrada e calção (por exemplo), no qual nos
cabia preencher com cores. Havia ali sim, reconhecimento de formas, escolha de
composição de cores, criação de texturas. Mas ao mesmo tempo, quando observava
um passarinho marrom na janela nada me remetia àquele pintava com cores que me
lembravam dos desenhos vistos nos programas infantis de televisão.
Não que houvesse que haver alguma
representação realista, mas o tema passarinho poderia ter passado por invenção
de cenas, falar sobre, imitar e fazer de conta, cantar como, ver referencias
visuais e sonoras de outros passarinhos, o assobiar e sim, desenhar, colorir,
texturizar e compor de diferentes maneiras.
Numa situação de observação ativa,
na qual o professor propõe sim, mas deixa aberto o espaço para o
desenvolvimento dinâmico-participativo da atividade, tomando como exemplo, uma
atividade desenvolvida nas ultimas semanas chamada de tomatinta.
Consiste num espaço delimitado, a
pintura num suporte usando partes do corpo, e a partir daí deixar que o grupo
desenvolva essa pintura de modo a subverter o próprio suporte (tela) e descubra
a mistura de cores e outras possibilidades. O que a princípio pode parecer uma
bagunça divertida com tintas, na verdade é uma grande composição espontânea.
Descobrindo as cores, o gesto, a relação com o outro, o faz de conta, o pintar
junto, os limites e como explorá-los e transgredi-los, as convenções
estabelecidas em conjunto para haja fluidez e fruição da atividade.
O resultado foi uma grande dança
conjunta, de pessoas e cores, com momentos coletivos, individuais, em duplas,
criação de personagens, mistura de cores, com momentos de alegria, fuição e
prazer.
4.
A
SALA DE AULA
Retomando a sala de aula na educação de base,
a mudança da pré-escola para o ensino fundamental, existe uma mudança abrupta
em vários aspectos, desde a relação espacial; na pré-escola existem mesinhas
redondas onde as crianças sentam-se de frente uma para as outras, para a
carteira e a relação frontal com o professor e a lousa, criando uma relação
hierárquica e a não comunicação com os colegas, e a relação de conteúdos; uma
série de informações ditas pela pelo professor e colocadas a lousa num tempo a
cumprir os prazos e a regras ditas pela instituição.
O processo alfabetização vem
carregado de mudanças estruturais que são colocadas do ponto de vista do
ensino. Ressalto aqui que existem sim hoje diferente métodos e escolas de
aprendizatem (sócio-construtivismo, escolas Waldorff, entre outras) que propõem
outras relações com o “tempo” da criança, mas se focarmos no ensino público
essa relação instituição-escola-professor-aluno pode ser revista se for dada o
professor a oportunidade de agir como um observador que se sobrepõe a um
“ensinante”. Já afirmava Merleau-Ponty:
...o
grande erro das pesquisas com crianças, seria partir do ponto de vista do
adulto – o pesquisador – e não do ponto de vista da criança pesquisada. Para
Merleau-Ponty, o ponto de vista da criança pequena será sempre
não-representacional, onírico (nas palavras do adulto) e polimorfo – e,
portanto, bem diverso do nosso. Isso nos leva ao encontro de uma criança que se
mostra plástica, maleável, imaginativa; que convive conosco, mas transita por
outra lógica, outros modos de pensar, sentir e agir. (MACHADO, 2010: 119).
Voltando
a educação de base, existem diversos fatores que influenciam o modo como o
ensino está estruturado, desde a diferença do que é proposto pela instituição e
o que de fato é aplicado por conta de políticas salariais e investimento no
professor, até a falta de infra-estrutura. Isso faz que com o professor repita
o que se pede em apostilas e não necessariamente reflita que crie junto com
seus alunos, não apenas conceitos e conteúdos ligados as disciplinas, mas até
os combinados de regras sociais e comportamentais a serem praticadas que podem
ser estabelecida em conjunto.
Que
possamos entender a bagunça não é uma ruptura de estrutura, mas um processo de
construção das mesmas na qual ela possa entender por completo, através da
vivencia e da sua corporalidade, a construção de conceitos e absorção de
elementos que se espere. Pois muitas vezes, o fato de obedecer porque dito que
é que deve ser, não quer dizer que ela entenda os motivos e tenha qualquer
postura crítica e/ou construtiva com relação a conteúdos e normas. Pois como
propõe Marina Marcondes Machado em seu artigo:
Quero
desenvolver aqui o pensamento de que, por sua forte aderência às coisas, vida
imaginativa plena e pensamento polimorfo, não cabe “ler” a criança pequena como
se seu corpo estivesse a serviço da cultura, nem tampouco que a cultura – na
qual foi concebida, nasceu e convive – estivesse à serviço de seu corpo; a
noção de corporalidade tal como compreendida pela perspectiva merleau-pontiana
pode resolver esse aparente dilema, ao romper dicotomias, convidando-nos a
enxergar em cada criança um corpo que sinaliza a cultura, mergulhado nela.
Assim, a corporalidade da criança pequena apresenta-se dinamicamente em seus
modos de ser e de se relacionar, sem separação corpo-outro e corpo-mundo.
Mergulhada no mundo, a criança pequena usufrui dele e com ele, inicialmente
levada, certamente comandada pelo gesto e pela palavra do outro – por sua
condição de dependência, especialmente dos pais (MACHADO, 2010: 125)
CONCLUSÃO
As
estruturas estabelecidas depois da construção do ensino formal exigem tempo
para que mudanças ocorram, pois foi estrutura de maneira que não permite
dinamismo, talvez porque a história da educação no Brasil seja recente, talvez
porque se deveria romper completamente com essa estrutura. Mas existe sim a
possibilidade de abertura de diálogo e de novas proposições para que a educação
e o ambiente escolar se torne prazeroso antes da obrigatoriedade.
Em
contrapartida, colocar o professor como um observador pode leva-los a aventura
de aprender com alunos. Proporcionar aos alunos espaço para que eles possam se
desenvolver de acordo com sua própria natureza e conviver em grupo pode poupar
o professor de aborrecimentos que não colaboram em nada com a educação. Nesse
caso há uma quebra da relação dos conteúdos que vem numa hierarquia vertical, e
sim liberdade de escolha ao professor para manejar sua disciplina de acordo com
a necessidade do grupo.
Essa
é uma reflexão sobre os porquês de uma possível mudança de paradigma, não um
projeto de mudança que insistiria num longo estudo e que exigiria uma série de
experimentos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MACHADO, Marina Marcondes, A Criança é Performer, Revista EDUCAÇÃO
E RELIDADE, UFRGS, 2010. In http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/11444/944